PRIMEIRO DIA DO ANO DE 2012- DOMINGO

Hoje é o primeiro dia do ano de 2012. Dia mundial da paz. Dia da confraternização universal dos povos. Gostaria de meditar muito sobre isso, mas confesso que não tenho muita vontade porque meu estado de espírito não está dos melhores. Na verdade nem tracei metas ou fiz um balanço do ano que passou. Recapitular o quê quando tudo que mais quero é esquecer alguns momentos ou a maioria deles?

Não nego que no ano de 2011 que passou tive muitas vitórias como foi o caso de minha formatura em Pedagogia. Tudo foi muito lindo. A viagem a Juiz de Fora para a Colação de Grau Oficial; as cerimônias festivas em minha cidade... O discurso de oratória que me levou de encontro a não mais que Martins Lutter King, Anne Frank, Cecília Meireles e Tardiff e Raymond. E porque? Porque deles tirei frases que diziam muito de mim como o fato de seu não ser mais a mesma, rever meus próprios passos e entender que não existe passagem de fato porque ela continua. Mas na verdade, quando recordo de tudo, fico muito deprimida porque sinto tantas saudades! Foram tantos momentos bons e inesquecíveis! Em minha vida são tão raros esses momentos de felicidade! A minha felicidade é clandestina e já disse isso uma vez. Percebi isso, não necessariamente quando li o conto de Clarice Lispector, mas quando fiz meu memorial de curso. Mas às vezes penso que a gente pode construir a felicidade mesmo em meio aos espinhos. Tenho tentado isso, embora não seja fácil.

Também nesse ano que passou aconteceu uma coisa maravilhosa: eu retornei à casa de meus pais na Fazenda. Foi em agosto. Havia quatro anos que eu não ia lá e não vou lembrar aqui os motivos. Eles machucam muito, mas não mais por saber que fui capaz de ficar sem ir lá durante todo esse tempo. Arrependi muito por isso. Não era um conflito com meus pais. Longe disso. O conflito era comigo mesmo. Tenho muitos grilhões e um deles é o medo. Dizem que medo é falta de fé. Acho que sou fraca na fé.

Quando cheguei na fazenda eu visitei em pouco tempo muitos lugares. O velho rio. Os espigões. Os campos. O córrego. Andei na horta. Não desci o barranco do rio que leva ao lugar onde meu marido gostava de pescar. Mas de longe era como se tivesse visto ele lá com suas tralhas de pescaria. Ele gostava tanto... Não, ele não morreu. Mas sua vida de certa forma apagou-se. Circunstâncias da vida o afastaram de lá. Para ser mais exata: uma bebida aguardente que mudou completamente nossas vidas. Até hoje não compreendo porque um liquido desses pode destruir a paz, a dignidade, as vidas... E porque não compreendo é que ainda não consegui aceitar o alcoolismo como doença. E o resultado tem sido catastrófico a cada dia que passa e eu vejo minhas esperanças escorregarem através do tempo. Isso dói. E dói ainda mais quando tento reanimar a minha fé e percebo que cada dia é mais difícil. Que quanto mais rezo e faço novenas mais provações aparecem.

Bom, acho que chorei rios de lágrimas ao rever tudo na fazenda. Mas também filmei tudo e fiz um filmezinho meio cansativo, mas lindo mesmo estando no inverno e a natureza meio ressequida. Ficou como lembrança... Agora já faz cinco meses que não vou lá de novo. Mas é por falta de oportunidade e também porque meus pais estão sempre por aqui na cidade agora. Aliás, essa é outra coisa boa que aconteceu nesse ano de 2011 que passou já que sempre posso estar com eles matando as saudades. Mas lá na fazenda quero ir logo outra vez. Não quero morrer e arrepender das coisas que não fiz. Ainda falta oportunidade para ir lá, mas Deus vai me mostrar uma, tenho certeza e quero que seja logo.

Agora um novo ano começa. Mas na essência tudo continua igual para mim. É estranho dizer isso não é? Mas eu penso que na verdade os dias nunca mudam, exceto pelas variações climáticas, pelas estações do ano, pelas calamidades... Nós humanos é que movimentamos os dias. Então sua dinâmica depende de nós. Depende da vida de cada um de nós, que não é igual, mas que se entrelaça formando um todo. Interessante pensar que diferenças, contradições e outras coisas mais possam se unir e formar um todo perfeito. Antes de ler Edgar Morim não compreendia essa essência do todo, do complexo, mesmo tendo lido a Bíblia todos os dias desde agosto de 2011. Não se pode compreender cada parte sem ter uma idéia do todo. É por isso que penso em minha família e, essa teoria científica que, a meu ver, tem cunho religioso, ainda me faz ter mais certeza da importância da união das famílias.

Ainda ontem estive com minha família. Fui lá durante o dia lá pelas três horas da tarde depois de arrumar minha casa. Arrumei tudo tão arrumadinho e ousei até colocar meu tapete redondo e azul de crochê. Ficou tudo tão lindo, mesmo a casa sendo velha! Pena que ninguém de minha família viu. Eles não vêm aqui. Apenas minhas três irmãs de vez em quando. Meu pai e minha mãe não vêm e nem meus dois irmãos. A razão são as desarmonias causadas por aquele liquido ardente. Acho que nem o tempo vai restaurar isso. Não, não sou tão cética assim não. Mas é que já faz tanto tempo e nada parece mudar. Tem sentido quando penso que o pecado pode ser perdoado, mas, seu efeitos nem sempre podem ser apagados. Mas procuro não pensar para não enlouquecer.

Bem, mas eu tirei uma foto do tapete azul de crochê depois que arrumei a casa. Para mim mesma... Ah! E também passei esmalte prateado nas unhas. O porquê, não sei de fato. Talvez por ser tempo de festa de final de ano. Mas acho mais certo dizer que essa atitude serviu mais como uma carapaça para cobrir meus sentimentos e me dar força. Não exatamente a cor prateada, mas as variadas cores com que tenho pintado minhas unhas desde novembro de 2011. Não estou virando a cabeça não. Mas cada tempo é um tempo e vamos descobrindo formas de encontrar sentido e força para viver. De qualquer forma outro dia li em site da Web que o prateado é a cor da lua e que tem uma relação com o feminino e também com o emocional, a sensibilidade, a mente. No site diz até que essa cor trás equilíbrio e harmonia e que ajuda a fazer uma limpeza interior. Será? Certamente não foi isso que me influenciou. De qualquer modo me senti mais segura e fui ver minha família.

Eu fiquei com minha família a tarde toda. Um por um meus irmãos iam chegando. Eles preparavam a ceia de Ano Novo. Minha mãe trouxe da fazenda um pernil de porco assado. Tiramos fotos e rimos. Tomamos café. Comemos pão-de-queijo, bolo e rosca. Os quartos estavam cheios de malas. Nos rostos só alegria. É tão bom sentir esse calor familiar. A felicidade parece ser tão simples! O amor parece tão simples! Louvado seja Deus por isso. Felizmente tenho tudo isso.

Infelizmente não fiquei para a ceia embora queira ter ficado. Minha liberdade é tão limitada! Não por pessoas, mas pelas circunstãncias e necessariamente por meus próprios sentimentos. O de medo é um deles e até já falei sobre ele antes. É um nó que ainda não consegui desatar. Evitei não pensar nisso para não sofrer. Dominar os pensamentos é muito bom para algumas coisas e às vezes tem funcionado comigo.

Voltei para casa andando pelas ruas e com aqueles sorrisos de minha família em minha mente. Não chorei. Não chorei nem mesmo quando cheguei em casa e a encontrei melancólica. Meu marido apagado do mundo... O tapete azul fora do lugar. Cinza de cigarro no chão. Um chinelo com a metade debaixo do sofá. Outro não sei onde... A mesa da cozinha molhada de aguardente. As cadeiras desalinhadas... Não jantei. Meu marido também não. Motivos diferentes. Não animei nem mesmo esperar a novela das nove na televisão. O Show da virada... Fui dormir. Felizmente dormi logo.

Acordei com os fogos rimbombando no ar, e então vi que 2011 já tinha partido deixando para trás somente as lembranças e em seu lugar um 2012 com tantas promessas... Tantas esperanças... Tantas metas... Tantos sonhos... Felizmente isso tudo ainda existe para que o sentido da vida não se perca. Mas virei para o lado e desejei em pensamento a meu marido que dormia, um Feliz Ano Novo. Acho que é força do hábito até porque não havia crença em meus pensamentos e em meus desejos. Acho isso um absurdo. Mas que fazer quando as perspectivas parecem cada dia mais distantes? Deus onde está minha fé? Não posso estar dizendo isso. Mas digo. E sei que Deus me compreende até porque acordei no outro dia com meu marido ao lado da cama me pedindo um corote de Pedra 90 ao invés de me desejar o tradicional Feliz Ano Novo. Fiquei com raiva mas não chorei, mesmo quando lá no fundo eu sentia em pedaços as poucas esperanças de uma mudança. Eu ainda não compreendo direito que o alcoolismo é uma doença que corrói não só a carne, mas também a dignidade.

Ficar com raiva não foi bom porque era o dia Mundial da Paz e também porque fez com que eu não fosse à missa das nove horas e trinta minutos. Mas não evitei nada. Apenas fiz o café. Me arrumei e fui novamente para a casa de meus pais almoçar com eles. Deixei meu marido sozinho no Ano Novo. Logo eu mesma já estaria sozinha e ele em seu mundo, ou fora dele... Fui egoísta? Acho que devo confessar que sim. Dói reconhecer essa minha pervesidade, mas é preciso ser sincera, e então eu não me importei com esse egoísmo porque o medo de passar o dia ali naquele sofá sozinha, sentindo o tempo passar lentamente, era maior. E então preferi fugir enquanto meu marido ficava com sua própria solidão. Não queria que fosse assim, mas não posso penetrar as profundezas da mente dele e tirar de lá todos os seus grilhões. Seu interior é propriedade privada e até mesmo Deus só entra se abrirmos as portas do coração.

Agora já sozinha em casa, quando a noite engole o dia, sinto as lágrimas chegarem quentes em meus olhos com a força de uma represa que não suporta o peso das águas. Segurei-as durante todo o dia e agora deixo-as rolarem livremente e desesperadamente. De alguma forma elas afastaram as agonias, as tristezas, as dores... Nas lágrimas busquei Deus. Ele demora. Mas preciso esperar... Esperar a mudança de uma situação que a cada dia se torna mais comum em minha vida e com a qual não quero me acostumar. O que sei é que preciso lutar e apesar das incertezas o dia a dia vai me ensinando a vivê-lo e Deus vai me mostrar os caminhos e as formas de lutar e viver. Então Feliz Ano Novo!!! O “novo” é uma conquista, bem sei e eu quero e tenho esperanças apesar de tudo...

( Criei coragem hoje e publiquei até porque estou sentindo hoje a mesma tristeza daquele dia. nada mudou. Ainda... )

Sonia de Fátima Machado Silva
Enviado por Sonia de Fátima Machado Silva em 04/06/2012
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