Torcedor se aposenta?

Senhores, faço um desabafo. Dirijo a palavra ao gênero masculino com exclusividade, pois não acredito em leitoras para esse tema. Carioca sem samba no pé nem apetite para feijoada, que prefere praia em dias e horários alternativos, pode ser quase um pária na cidade onde nasceu. Meu maior vínculo, minha principal identificação, sempre foi através do futebol, em vermelho e preto.

Relutei em escrever sobre o assunto. Estaria assumindo, ato nada trivial, que gosto menos de futebol. Destaco: menos não quer dizer pouco. Trata-se de uma comparação com a situação anterior. Em termos absolutos, ainda me considero torcedor com algum grau de fanatismo.

Como todo amor incondicional, a paixão rubro-negra é - ao menos em alguma medida - cega, surda e um pouco tola. Ainda mantenho, por exemplo, minha missão de levar o Manto Sagrado para os mais diversos cantos da Terra, registrando o feito. Como disse um colega, é um dever cívico. E um grande orgulho, claro!

Na minha cabeça predominantemente racional, o lado emocional sempre foi rubro-negro. Futebol é oportunidade para gritar e xingar, chorar e sonhar. Está entre as memórias e os sentimentos mais antigos. O Flamengo foi meu primeiro amor na vida. Lembro de uma acalorada discussão doméstica, quando argumentei, tentando explicar o espírito do torcedor: “um homem pode trocar de cidade, de país, de mulher... Uns trocam até de sexo, mas nunca de time!” O terceiro exemplo citado me gerou muitos problemas, mas o divórcio mostrou que realmente o Flamengo é a única paixão eterna. Afinal, “uma vez Flamengo, Flamengo até morrer!” O chocolate também é companheiro de longa data, em momentos bons e ruins, mas nem o melhor cacau do mundo se compara a um gol decisivo.

Como um paciente em estado terminal ao receber a notícia, nego a condição. Diante de tantas evidências, não posso sustentar uma auto-mentira. É fato que o futebol perdeu espaço na minha vida. Um observador externo pode sintetizar superficialmente: “conseqüência natural do amadurecimento. Agora o sujeito já é adulto, tem mais experiência de vida (...)” Bom, apenas um observador externo que não gosta de futebol poderia concluir tamanha bobagem!

De partida, procuro explicações. Realmente mudei? Seria mesmo sinal de maturidade? Ou mudou a minha tolerância com os problemas da cartolagem e com a falta de profissionalismo dos jogadores? Não reclamo dos resultados do meu time em campo. Afinal, especialmente contra nossos rivais de estado, não podemos nos queixar. Seria fácil resolver isso: feliz com as vitórias, neutro com as derrotas. Mas o pacote é completo: euforia nos sucessos significa tristeza com os fracassos.

Sempre defendi que torcedor de arquibancada não é necessariamente melhor que o de sofá. Opinião polêmica e minoritária, sempre criticada. Defendo que a síntese do torcedor é o envolvimento emocional com o jogo. De resto, há tempos o jogo pela televisão é motivação para encontrar os amigos e colocar o papo na ordem do dia. Claro, torcemos, comemoramos e ficamos chateados. Mas não é a mesma coisa.

Tenho orgulho em declarar que fiz até físico sair da inércia e ir ao Maracanã! Conto, com gosto, o desabafo de um velho amigo, infelizmente de pouco contato nos últimos anos. Ele, nascido em uma família de tricolores, reclamava: “a culpa é sua! Flamenguista doente... Todos lá em casa são Fluminense, mas você perturbou tanto que o Gabriel (irmão mais novo) acabou escolhendo errado.” Atualmente, fico até encabulado com a quase universal recusa a convites de amigos para freqüentar os estádios, salvo as honrosas exceções da Libertadores e de alguns jogos decisivos. Um colega de trabalho - verdadeira enciclopédia do futebol e freqüentador de estádios mais assíduo que muito jogador que faz corpo mole – deve duvidar do meu passado militante.

Do meu ponto de vista, ainda não pendurei as minhas chuteiras de torcedor. Porém, para o grande público, devo parecer com aquele jogador que não corre, não marca, não produz jogadas e ocupa vaga no time.

Concluo que meu problema é com o jogo e com as pessoas envolvidas, nunca com o meu time. O Flamengo pode jogar pior que o adversário; pode ser derrotado no campo de jogo, entretanto não pode deixar de lutar. Pode faltar técnica, mas tem que sobrar raça. É o espírito da Nação. Dirigentes e jogadores são temporários, a torcida é eterna! “Uma vez Flamengo, Flamengo até morrer!”