Lições de vestibular

Reproduzo a seguir o site Uol,em notícia de sábado, 3 de novembro, legendando foto de Alice Garcia, que abraça uma colega: “A candidata Alice Garcia, 18, chora no ombro de uma amiga após deixar local de prova do Enem no Rio de Janeiro, neste sábado (3). A garota disse ter feito ´o impossível` ao esquecer de passar as respostas para o gabarito. `Eu fiz o impossível, fiz a prova com cuidado, mas esqueci de marcar o gabarito. Quando me dei conta, retornei à sala e fui impedida de entrar pela fiscal. Estou triste, com vontade de chorar`, disse a estudante que busca vaga no curso de arquitetura”. Mais - Márcio Alves/Agência O Globo. Realmente, uma pena! Histórias que ficam do vestibular, como a que ouvi e registrei há alguns anos e divido agora com os leitores do Recanto das Letras.

Lições de vestibular

Lucinha se esmerou na preparação. Durante todo o ano, esqueceu os amigos e as festinhas. Sequer gastou o dinheirinho das economias nas matinês do Cine Arte. O clube do bairro, as conversas com as amigas na piscina, os namoricos, nem pensar nessas extravagâncias. Sua dedicação às aulas e aos livros era inteira.

De família simples, Lucinha sabia que jamais teria condições de se tornar médica por uma faculdade particular. Tinha mesmo de lutar muito, enfrentar concorrentes ricos e bem preparados, que tantas vezes saem Brasil afora fazendo, no mesmo ano, uma porção de vestibulares. Para ela, não havia essa possibilidade! Tinha de ser um tiro certeiro, ou nova chance somente no ano seguinte, depois de exaustiva maratona de preparação.

À medida que se aproximava o momento decisivo, a menina parecia mais tensa, mas recebia sempre o apoio de dona Luísa.

- Não fique nervosa, filha. Você fez sua parte.

- Eu sei, mamãe, mas não consigo me acalmar.

- Você é jovem, filha. Se não conseguir, terá outras oportunidades.

- Mãe, não quero dar mais despesas para vocês. Somos pobres. Tenho pressa.

O tempo passava, e a responsabilidade de nossa dedicada concorrente aumentava, até porque, no cursinho, professores e colegas davam por certa a sua aprovação. Ai, que peso, ter de corresponder a tantas expectativas! Lucinha estava amedrontada, atemorizada, tinha quase pavor de viver esses dias tão próximos e tão importantes para o seu futuro e ao mesmo tempo tão danosos ao seu corpo e ao seu espírito. Eta vida cheia de pedras no caminho!

Enfim, chegou o dia que seu íntimo não queria que chegasse. Na véspera, os votos de sucesso dos amigos e parentes pareciam um aviso de que ela não poderia falhar. No cursinho, iriam, com certeza, divulgar o seu nome, se ela ficasse entre os primeiros . Mas Lucinha não queria nada disso. Que fosse a última! Queria mesmo era dar alegria aos pais e diminuir a despesa da família! Queria ser uma boa médica, ajudar as pessoas! Só pensava nisso...

Lá estava nossa personagem em seu dia decisivo, na universidade pública, repleta de concorrentes... Alguns sotaques diferentes confirmavam a presença de candidatos de outros estados. Naquela pequena multidão de cérebros, o de Lucinha não podia vacilar na primeira prova, para a qual ela tanto se preparara.

Sozinha, indefesa (nenhuma colega de curso estava na sala), nossa humilde aspirante a doutora, quase tranquila, ouviu o fiscal enfatizar que o tempo de prova era improrrogável. Portanto, atenção ao relógio! Começava o jogo...

Nossa marinheira de primeira viagem foi à luta, com muita garra. Leu tudinho com muita atenção, marcou as respostas mais fáceis primeiro, colocou interrogações... Tudo, tudo, até com tranquilidade... Voltou aos textos, às questões mais difíceis... Novas interrogações, novas leituras. O fiscal (que palavra antipática!) alertou para o tempo. Faltavam quinze minutos. Absorvida, absorvidíssima no exame, Lucinha não se deu conta da importância do aviso e ainda gastou precioso tempinho revendo um item, quando foi surpreendida pelo fiscal pedindo-lhe o cartão de respostas.

- Moço, ainda não marquei!

- Tempo é tempo, menina. Entregue-me!

A autoridade tomou-lhe o cartão em branco, apenas com a assinatura. Nossa inocente vestibulanda foi às lágrimas.

- Ordens são ordens, menina, não posso fazer nada! - esbravejou o sisudo senhor.

Algumas candidatas lhe pediram que deixasse a menina marcar as respostas. Eram só mais uns minutinhos... O respeitável senhor repetiu que recebia ordens. E Lucinha saiu triste, amargando sua primeira grande derrota. Lá fora, dona Luísa, ansiosa, esperava a dedicada filha.

- Mamãe, me desculpe, não me deram chance nem de conferir se fracassei...

Abraçada à mãe, Lucinha tornou a chorar...