Ninguém na Tempestade

Ele nasceu dentro de um carro morto numa estrada deserta sob uma violenta tempestade. A parturiente, uma desconhecida “Tal de Ninguém-sabe-o-quê”, gritava terrivelmente com os trovões, enquanto seu marido, aparvalhado, tentava trazer seu filho à treva que turvou a luz desses dias...

Vinte anos depois, feio e acanhado, ele se deixou arrastar por alguns amigos para uma casa de mulher-dama. Ele entrou na zona totalmente ressabiado, literalmente sendo empurrado por um de seus amigos.

- Vai, garoto, deixa de ser bobo, seu cabaço! “Tu é” o último cara virgem da Terra.

- Calma, cara, acabamos de chegar, tô nervoso, pô!

Seus amigos chamaram uma mulher morena mergulhada num exagero de maquilagem rubro-rosa. Todavia, já estava ele de olhos vidrados na garota loira sentada numa mesa logo à sua frente. Era um daqueles olhares congelados, que sem a gente perceber, acabava fazendo subir as coisas, para depois subir à cabeça. E só então acordar e reconhecer o vexame.

Mas ali não tinha problema, já que o lugar todo era um inteiro vexame, com mulheres feias e cheias de quilos tentando se passar por “belas da noite”. Só em último caso. Ou por falta de opção mesmo, como era o caso dele e de seus amigos.

O fato é que a mulher percebeu (e então ele já não podia ser salvo), levantou-se e caminhou em sua direção. Agarrou-o ali mesmo, beijou-o avidamente e levou-o para um quarto, onde ele permaneceu acordado durante a noite toda.

Uma semana depois, apaixonado, saiu da casa dos pais para morar num quartinho alugado com a “dama” loira da zona. Caía uma forte tempestade, tão forte, que ele pensou em desistir de tudo. Ficou com medo da chuva e dos trovões. Mas o pai olhou tão feio para ele, que a tempestade pareceu, naquele momento, uma antiga e profunda amizade.

- Deixa de ser otário, garoto! – diziam seus amigos. – Casar com puta de zona?!

- “Tu tá” mais é “loco”, cara!

- Se tá! A piranha já deu pro diabo e pro mundo!

E em toda a sua simples humildade, daquelas “humildades” de se eleger candidatos políticos, ele respondia:

- Ah! Ela tá boa demais pra mim. Eu não sou nada na vida não, e nunca vou ser não, gente. Eu não quero e nem mereço mais nada não, gente. Ela é até melhor do que eu. Sou nada não. Sou ninguém não.

Durante três meses viveram felizes, feito pombinhos recém-casados. Ele trabalhava o dia todo, chegava, tomava banho com a “dama” loira da zona, enquanto faziam amor.

Jantavam, assistiam ao Jornal Nacional e à novela das oito e iam dormir logo após uma “paixãozinha de carne”, como ela sempre pedia.

Uma semana depois de completados os três meses do amasiamento, ele chegou mais cedo em casa e ouviu gemidos e risos. Entrou no quartinho e viu a “dama” loira da zona espremida entre dois dos melhores amigos dele, os três nus. Olharam-no, assustados; talvez nem mesmo assustados, mas apenas surpresos. Depois olharam-no com enfado, como se perguntassem quem era ele para interromper o amor dos três.

Ele saiu, cabisbaixo, sem nada dizer. Errou pela cidade, resignado com sua sina. Ele era o que era. E só. Nada mais. Simplesmente era o que achava de si mesmo. Ou o que as pessoas faziam-no sentir.

Ao voltar para casa, a “dama” loira dormia tranqüilamente. Ele sentou-se e pensou sobre si mesmo: ele, na verdade, não era suficientemente bom nem para uma prostituta imunda, nem para amigos beberrões.

Era meia noite quando saiu no quintal, amarrou uma corda na velha goiabeira, atou a outra ponta ao pescoço e pulou para os braços do grande abismo...

Seu corpo, naquela derradeira noite, foi lavado e surrado por uma fortíssima tempestade...

Elias Araujo
Enviado por Elias Araujo em 17/03/2007
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