RESGATE

Trabalhara até tarde da noite. Estava cansada. Sai da fábrica e vai para casa. Sabe que lá encontrará seu repouso.

Moça pobre vinda do interior do sertão, batalhara muito para conquistar aquele emprego na fábrica, libertando-se da sua triste condição de empregada doméstica sem remuneração, tendo como paga apenas moradia e comida. E ela sabia o quanto era importante melhorar de vida.

Ao deitar-se em sua cama pensa em como era sua vida quando ainda morava no agreste.

Se vê com roupas puídas, pés descalços, mãos lanhadas, rosto sujo.

Lembra de quando era pequena e que a lida na roça era obrigatória a todas as crianças.

Lembra que sempre tinha como companhia Agenor, seu primo mais novo. Menino de tudo, ainda nem sabia falar direito. Órfão de pai e mãe. Fora acolhido por seus pais.

A noite sempre brincavam juntos e isolados das demais crianças. A brincadeira era sempre a mesma; ela era a mãe e ele o filho que sempre se aconchegava em seu colo pedindo-lhe mamar. Cresceram naquela incestuosa brincadeira de mãe, primo, filho, prima, ama de leite, filho, mãe, prima. Amantes... sem saber o serem.

Rudeza grande o agreste, e ela rememora o dia em que foi obrigada a expulsar-se dali para uma vida mais digna.

Lembra-se do dia da partida. Partida no coração. Partida na alma. Deixando Agenor para trás.

Sofrera muito até chegar aonde está hoje.

Seus pensamentos então se voltam para a realidade presente. Conquistara sua dignidade econômica.

Aos poucos o sono a domina. Dorme feliz por ter conseguido conquistar sua casa, seus móveis, seus pertences e Agenor, que depois da morte de seus pais veio morar com ela. Retribuía toda as noites o acalanto que recebera quando pequeno. Embalando-a em seu colo. Sorvendo. Alimentando. Sendo alimentado.

Amantes do agreste urbano.