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EU CHOREI
 

Década dos anos noventa, trabalhava em uma empresa no setor administrativo, onde tínhamos vendedores externos que eram somente comissionados e não funcionários, e apareciam as vezes com alguma produção para ser entregue.

Meu trabalho era fazer a checagem da produção recebida, então tinha que se amistosa com todos do princípio ao fim, e ao mesmo tempo ter um olhar profissional, e era gente de todo tipo por lá... Mas aprendi a não julgar pessoas pela aparência, mesmo porque se falando em aparência... Cada figura, que é até complexo fazer a descrição, mais me lembro de um caso em especial que marcou esta época.

Era um produtor maduro com média de sessenta e oito anos chamado João, que muitas vezes chegava com sua simpatia e simplicidade para entregar os contratos de seus clientes, eu e minha colega de sala, atendíamos a todos com muito carinho e atenção, inclusive o próprio, que tinha um apelido de Bacana e a olho nu, era visível que adorava uma um caldo de cana ardido e fermentado, que era a danada da cachaça...

Um dia de quinta-feira chegamos ao trabalho como de costume e logo que o telefone tocou, a primeira chamada, era de um dos amigos produtores avisando que o Bacana tinha falecido. Meu patrão, disse vão vocês presentar a empresa no enterro.

Solidárias, aceitamos a encomenda, mesmo porque eu e minha amiga carregávamos uma simpatia pelo colega corretor, e imaginávamos que a cerimônia iriamos ver família reunida no velório, e muitos amigos, vizinhos, conhecidos, companheira, filhos e colegas de trabalho, como de costume... O normal de se esperar de uma cerimonia fúnebre e para concluir é lógico que um represente de Deus para ministrar a cerimônia de despedida do corpo, para consolar a família da perda da pessoa amada.

Fomos de táxi até o cemitério e quando chegamos na recepção, perguntamos onde era a capela para o velório, e a nossa primeira surpresa foi que nos disseram que não era lá e que já iria chegar o corpo, então ficamos aguardando imaginando que chegaria um cortejo, o caixão seguido de carros, ônibus, pessoas andando.

E nada disso aconteceu, logo avistamos uma senhora que seria a irmã do Bacana, e aí perguntamos pelo corpo, ela disse já está vindo da ambulância do hospital, e nos contou a causa da morte, o pobre tinha morrido de cirrose hepática, por causa da bebida. Morava sozinho a algum tempo, estava distante da família... O pobre estava tão distante, que percebemos que não só de localização... Era distante do afeto, distante da consideração, distante do respeito, distante da dignidade, distante da hombridade... Pois éramos seis, isto mesmo, média dúzia de pessoas, para enterrar uma pessoa, que viveu sessenta e oito anos neste mundo, nossa! No meu peito a dor apertou pela tristeza, onde estava as pessoas? A família? Não compreendia...Porquê? Que triste fim!

Nos dirigimos para a quadra indicada, onde seria o sepultamento, e a maior tristeza para mim, foi quando os funcionários do cemitério já chegaram e começaram a cavar a terra para introduzir o caixão. E todos em silêncio, ao lado olhando, sem dizer uma palavra.

O silêncio foi quebrado, um dos irmãos presente começou falar algumas palavras... Mas na verdade demonstrando aborrecimento pelas despesas e liberação do corpo, outro dizia:- Ele procurou!... Então achou! E aí, logo o clima ficou pesado e começaram a falar mal do falecido, ao lado do caixão. Dizendo: - Ele caçou com as próprias mãos, veja aí o resultado... E agora as coisas como vão ficar para gente acertar...

- Meu Deus, que aflição! Que vontade de atirar pedras neste povo sem coração! Num impulso interrompi a conversação e perguntei: - Gente cadê o padre? O pastor? Alguém para fazer uma prece.... Não ouvi nenhuma voz... Só o silêncio, ninguém se manifestou...

Rompeu-me as barreiras da emoção, e a tristeza invadiu meu coração... Mas como fui eu, que demostrou preocupação com a alma do pobre, cobrei de mim mesma, faça alguma coisa? Então eu fiz: Falei:  - Vamos fazer o seguinte, este é um momento muito difícil e seja como for, ele se foi e nós estamos aqui... Peçamos a Deus força, e que conforte nossos corações, alguém tem uma bíblia?

Bíblia! Que bíblia? Eles não tinham espírito de paz, iam querer lá saber de bíblia! Pairava no ar somente a raiva, o rancor, o desprezo e revolta pelo aquele momento... Me responderam que não, acenando com a cabeça. Eu disse com tom triste: - Então se me permitam, irei recitar um salmo e faremos todos juntos a oração do Pai nosso.

Hesitei-me com minhas próprias palavras, visto que sempre tive espontaneamente o dom de partilhar a palavra de Deus. Apenas queria responder: - Eis-me aqui, capacita-me Senhor! Porque, me achar capaz de falar para meia dúzia de pessoas, achava, mais não achava que daria conta de suportar as emoções do momento, mais como atendi prontamente o chamado do Espírito Santo para aquela missão, o Senhor me usou como instrumento em suas mãos de forma que senti os rostos transfigurados pelos maus sentimentos, se transformarem de maneira milagrosa nos momentos que segui com declamação:

Recitei em voz alta, trêmula e com o acompanhamento do único instrumento de sofro que tinha no momento, que era das notas do zumbir do vento, falei com muita fé em meu coração, buscando em Deus a paz, que pensei nem que seja só pra alíviar a minha angústia naquele momento:


 
“O SENHOR é o meu pastor
E nada me faltará.
Ele me faz repousar pastos verdejantes
Guia-me mansamente a águas tranqüilas.
Refrigera a minha alma;
Guia-me pelas veredas da justiça,
Por amor do seu nome.
Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da MORTE,
Não temeria mal algum, porque tu estás comigo;
A tua vara e o teu cajado me consolam.
Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos,
Unges a minha cabeça com óleo,
O meu cálice transborda.
Certamente que a bondade e a misericórdia
Me seguirão todos os dias da minha vida;
E habitarei na casa do Senhor por longos dias. Sl.23”

 

Estava com meus olhos fechados, quando acabei o salmo, minha voz foi ralentando e as lágrimas embargaram o meu falar. Quase em um sussurro, disse: - Oremos o pai nosso.

E me estremeci de emoção quando percebi que todos se juntaram comigo em uma única voz e oraram a oração que nosso Pai nos ensinou dizendo:

 

Pai nosso, que estás nos céus,
Santificado seja o teu nome;
Venha o teu reino,
Seja feita a tua vontade,
Assim na terra como no céu;
O pão nosso de cada dia nos dá hoje;
E perdoa-nos as nossas dívidas,
Assim como nós perdoamos aos nossos devedores;
E não nos conduzas à tentação; mas livra-nos do mal;
Porque teu é o reino, e o poder,
E a glória, para sempre.
Amém.

Não sei dizer o que oconteceu com aquelas pessoas depois deste enterro, mais sei que minha consciência estava em paz com Deus, joguei a semente da fé, se em algum coração ali tinha alguma terra boa, o tempo ia dizer... Mas Deus Pai Onipotente sabe de todas as coisas, e assim fiz o que Ele quis que fizesse, certamente algum propósito tinha! Mas para mim, o que mais me marcou aquele momento, é ter ficado muito triste, de não encontrar tristeza, com um fim da vida de alguém...


** Hoje estou de luto, uma amiga muito querida faleceu, acabei de chegar do enterro... Mais este, confesso de teve muitas lágrimas de dor e tristeza, sobre a perda de uma pessoa muito amada, inclusive rios de lágrimas meus... E a voz me faltou, meu consolo veio do Senhor, porque no velório estava presente minha irmã carnal Ralva que se auto-denomina minha mana-mãe (como ela prefere ser chamada), que me apelidou carinhosamente com este pseudônimo que adotei no recanto – Leti. Foi ela a usada pelo Espírito Santo neste dia... Então ministrou a palavra de fé, sendo que coincidentemente ou não, mais parecendo ser um propósito divino, acredite você como quiser... Ela, de livre escolha recitou o salmo 23 e todos oramos a oração do "Pai Nosso" no momento que o corpo desceu ao túmulo....



 
De dentro do meu ser:
Leti Ribeiro


 







 
****************INTERAÇÃO**************
 
 

 
Bom dia , amiga Leti!
Quanto ao seu conto,
A emoção decerto tomará conta dos leitores,
Que tal como eu, absorvem os seus lindos textos!
Parabéns pelo talento.
Escrever com a alma não é para todos!
Deixo-lhe um abraço amigo!

 
Ferreira Estêvão
30/08/2013 



 
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Sinceramente, Leti.
Fiquei emocionado com a leitura desse teu conto.
Também já participei de algumas cerimônias fúnebres onde se percebia claramente entre os parentes do falecido, a falta de amor e consideração. Quando uma pessoa é amada e querida, o número de acompanhantes ao féretro é bem grande e significativo. Mas enfim, você abriu o seu coração e acho que com certeza uma sementinha de amor foi plantada no coração dos que se dignaram a participar do enterro mesmo para se queixarem do morto. Parabéns novamente pelo seu texto! Um grande beijo!
  Rubens Silva
06/11/2013


Queridos amigos Ferreira Estevão e Rubens Silva, grata sou pela presença e solidariedade, suas palavras são um consolo e carinho. Abraços poéticos. Leti Ribeiro