LIBERDADE E FELICIDADE

A - O que você quer na vida? Sucesso? Amor?

B- Claro!! É o que todos querem!! e o senhor? O que quer?

A - Nada!!

B - Nada?! Como nada? O senhor já não tem nada!! Não quer uma casa para morar? Uma mulher?? Um carrão? Dinheiro? Garotas gostosas??

A - Eu já tive isso tudo filho!

B - Como? qual é cara? tá me gozando? Como assim já tive? e cadê? Perdeu tudo? Bebida? aposto que foi isso.

A - Amor filho, amor. Um bendito amor.

B - Ha, qual é meu, conta outra. Sério mesmo? Perdeu tudo por amor? Então já amou uma mulher? Já foi casado? Tem família?

A - Um amor que não dei valor. que não sabia existir. Até o sentir.

B - Ela lhe corneou? digo, traiu? e como veio a se tornar um mendigo?

A - A vida, o mundo, tudo tem seu preço. Quem quer jogar tem que arriscar. Tudo é um jogo. Tudo tem seu término. As águas do rio correm, fortes, impávidas, mas lá na frente, morrem, em um outro rio. Assim é a vida, um caminho leva até outro caminho. Atalhos.

B - Mas a gente pode escolher o caminho que quer seguir, basta querer.

A - Haa, filho, a vida dá mais lições que qualquer pai, ou qualquer livro. Viva e aprenderá. Frases bonitas não matam a fome, ou a sede. Ações o fazem. Viver é bem mais que querer.

B - O que o senhor fez com seu dinheiro, não lhe dava prazer?

A - Dava! Dava o prazer do mundo. Mas este prazer é pequeno e logo acaba.

Poucos o sabem. Eu tive; das mulheres as mais belas; dos carros os mais valiosos; andei por terras que muitos desconhecem; fui consultado por presidentes, príncipes e reis; porém nunca tive a tal da felicidade. Mesmo pensando que tinha tudo, eu apenas pensava que a possuía. Mas nunca a conheci de verdade.

B - Como não? Se teve tudo isso?! Ha se fosse eu, ia comer todas, ia fazer o que bem quisesse e ninguém ia me encher o saco.

A - Eu não era feliz, porque estava preso, e não existe a felicidade sem a liberdade.

B - Preso? Como assim? Acabou de dizer que era o todo poderoso, que fazia isso e aquilo.

A - Eu era prisioneiro dos meus desejos. Prisioneiro da minha ambição. Eu fazia de tudo para ter sempre mais, mais e mais; não tinha a liberdade para ir até o banheiro sozinho, sempre guardado; não podia expressar minha revolta com o cinismo dos governantes que me procuravam, esperando minha ajuda financeira, em seus atos contra os menos favorecidos. Protocolo. Etiqueta. Educação. Sim eu fui um prisioneiro, prisioneiro do tempo, que regia meus atos, meus passos, não me sobrava um minuto de liberdade para poder curtir o por do sol com uma pessoa amada ao meu lado. Eu ganhava, em uma noite, dormindo, o que muitos não ganham durante toda a vida. Tratava de negócios até viajando no avião. Sempre com um bando de puxa sacos me cercando, esperando que eu os elogiasse, pois sabiam o que isso significava lá fora. Maltratavam seus familiares, seus amigos, só para ficarem parecidos comigo, sem saber que também estavam entrando na mesma prisão, onde eu vivia. Um dia estava em Tóquio, outro no Arkansas, ao meio dia almoço com tal autoridade, jantar com o adversário daquele candidato, nunca um tempo para a vida. para viver. Sempre preso. Dormia no meu castelo na Áustria, na outra noite já estava em Londres, com a rainha, tomando chá e ouvindo seus choros sobre o mal trato que a nobreza recebia do povo mais humilde. Coitada. Esta também vivia em uma prisão.

B - E como perdeu isso tudo? eu já lhe perguntei e me disse que foi por amor. Ela pediu divórcio, ganhou tudo na justiça, é isso, e daí você começou a beber?

A - Veja meu hálito!!! Eu não bebo, tampouco fumo. coisa que meus companheiros, nem sempre conseguem evitar. Pois a cachaça entorpece os sentidos, e assim mata a fome, e o frio, e acaba tirando também a vergonha. Meu único vício é a vida. Viver livre. Essa santa Liberdade.

B - como aconteceu?

A - O amor filho, o bendito amor me libertou. Hoje sou livre.

B - Eu então, sou um prisioneiro!

A - De certo modo filho, de certo modo. Por enquanto dos teus desejos. E quanto mais o tempo passar, mais preso irá ficar.

B - Mas então não adianta nada viver. Eu prefiro morrer a viver como o senhor vive. Sujo, maltrapilho, fedendo, cabelos desarrumados, mal vestido, passando fome e frio, e sabe-se lá o que mais, sem ter ninguém ao seu lado.

A - Nunca diga isso filho. Eu tenho meus amigos. Suas histórias. Viver é bom. A gente só tem que encontrar a forma certa. Você gosta da tua roupa limpa, assim como eu gosto dessa japona velha, sendo que no passado, tinha Armani tirando minhas medidas; Você gosta de ouvir CD, rock e ver televisão, eu hoje gosto de gaita, baralho e conversar, já gostei e assisti shows de óperas em Bolonha e Madri, já financiei companhias de teatro e cinema; O tempo muda certas coisas, outras não. Muda as pessoas, pena que nem todas. Muitas são as formas, por isso nem todos comem o mesmo pão; as vezes o fermento é diferente, outras vezes é outra mão a fazer a massa, então o pão não é o mesmo, mas todos comem o pão.

B - Mas existe o pão salgado e o pão doce!!

A - Hahá, esse é o sentido. Tudo depende do tempero que você coloca. Então se colocar sal, será salgado, se colocar açúcar será doce. Agora me dizes, qual o que mais gosta?

B - Põ, tamo parecendo padeiros. Que papo idiota.

A - Responda vamos, não ligue para os outros, concentre-se na nossa conversa. Qual prefere, o doce , ou o salgado!

B - Tá bom. o Doce!

A - Ótimo!! e por isso teu paladar é melhor que o de outra pessoa que gosta mais de pão de sal? Quem está certo, quem come o pão doce ou o de sal? Eu digo que não importa. Para ambos é alimento, para os dois o pão faz bem.

B - Que quer dizer?

A - Não existe, nem certo, nem errado, nem bom nem mal, se você parar de pensar, como todos pensam. Isso é difícil, mas se conseguir, vera tudo de outro prisma.

B - Como não existe nem certo ou errado? Você é doido? Não lê jornal? è acho que não. Não vê os seqüestros, assaltos, assassinatos? Isso tudo é certo para você?

A - Não é certo. Mas quem sou eu para dizer o que é certo ou errado? Eu não acho certo porém não julgo, porque conheço o outro lado. Convivi com poder e fraqueza, fui humilhador e hoje humilhado. Cada um sabe o preço dos seus atos. Tudo tem seu preço. A sociedade prolifera, e seu rastro é a miséria, e da miséria ás vezes alguém grita.

B - grita?? Cara, matam por matar, matam crianças inocentes, pais de família, e você vem com esse papo furado?

A - Quando eu estava lá em cima, eu ria disso tudo, dava orientações, pois assim, os outros, os pobres, se matariam uns aos outros, resguardando a nós, poderosos. Morte filho. A morte é inevitável, pode-se retardá-la, mas não evitá-la. Desde a origem da humanidade ela caminha lado a lado com o homem. Na Grécia Antiga, jogavam as crianças de um precipício, se sobrevivessem seriam dignas de serem soldados, ou de viverem. Entende? Devemos provar que vale a pena viver. Mesmo que isso signifique perdas de algumas vidas.

B - Você me falou em liberdade, em valor á vida e agora diz que morrer é parte disso. Você se contradiz e me confunde!!

A - Por temer a morte, devemos viver melhor nossa vida. Devemos temer a morte, tentar evitá-la, mas não podemos negá-la. Por isso é que se deve viver bem, para no final podermos morrer com um sorriso no rosto.

B - Sorriso no rosto? Maluco. Rir do quê?

A - Quem soube aproveitar o que a vida lhe deu, deve despedir-se dela, com felicidade.

B - Como despedir-se com felicidade? Eu sempre sinto quando me despeço de quem gosto. Deveria chorar quando morrer, não rir, se a vida vale tanto. Afinal estamos deixando ela.

A - O sorriso é o nosso agradecimento, por a vida nos ter sido boa. Quanto Á morte? Quem pode dizer que ela é boa ou ruim? eu não sei!! Nunca morri! Não sei se é boa ou ruim, você sabe?

B - Claro que não. Bom, eu não sei também, mas acho que depois que se morre, se acaba. Não acredito nessas historias de reencarnação, espíritos, vidas no além! Isso tudo é besteira.

A - É besteira, ou você acha que é?

B - Tá certo. Eu acho que é besteira.

A - isso filho, pois nunca podemos falar com certeza, sobre algo que não conhecemos profundamente. Podemos dar nossa opinião, mas isso não significa que o que sabemos é o certo. Lembre-se, sempre haverá alguém que sabe mais do que nós.

B - eu acho que esse negócio de reencarnação é besteira. Pois senão o número de habitantes seria sempre o mesmo no mundo todo. Olha só, morre o João, nasce o José, o José reencarna no lugar do João, então não haveria esta multidão no planeta. Haveria tão somente Adão e Eva, Caim e Abel, uns poucos, pois quem nascesse estaria simplesmente tomando o lugar de uma pessoa que havia morrido.

A - Essa é a tua opinião, eu a respeito. Porém, muitos discordam de você. Assim é o pensar, difícil de agradar a todos.

B - Por quê você não procura um serviço?

A - Um velho como eu? E quem Daria emprego a um mendigo, sujo, maltrapilho, fedorento, como você acabou de dizer. Não meu filho, meu tempo disso tudo já passou. Não quero mais voltar a fazer parte desse mundo de vocês. Sabe, o tempo foi passando me tirando ambições, orgulhos fúteis, e desejos vis, e comecei a ver tudo com outros olhos.

B - Você é crente? Digo , você parece ter perdido o sentido da vida. Não tem mais nenhum objetivo? Não deseja realmente mais nada?

A - Haa, sou crente sim. Creio no Pai todo poderoso, mas não creio na criatura por ele gerada, no homem. É com ele que me levanto e com ele vou dormir. É ele quem me dá o sentido da vida. Tudo o que desejo é conversar com alguém, como estamos fazendo agora.

B - Só isso?? conversar??

A - Conversando poderei passar o que aprendi, e se uma, em cada vinte, trinta, cem pessoas, com quem conversei, levar a sério que falei, então já poderei me considerar realizado.

B - Poxa, me parece tão pouco. Olha eu gostaria de conversar mais com o senhor mas o meu ônibus, já está saindo, vou correr senão vou perdê-lo. Tchau.

Ivair Antonio Gomes
Enviado por Ivair Antonio Gomes em 24/09/2013
Código do texto: T4495884
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