Vamos passear de bicicleta?

Não são 7:00H da manhã, precisamente 1:15H. Não vejo Cristo da janela. Ele deve estar muito ocupado tentando transformar um pecador em devoto, ou simplesmente tomando um chopp à beira mar. Também não vejo estrelas, mas sei que elas estavam lá no céu não faz muito tempo. Os trens não estão rodando, assim como os ônibus e lotações; só sobraram mesmo os táxis. Eis um bom motivo pra não sair de casa. Quero sair, e navegar é preciso, mas como não tenho barco, tampouco o oceano, agarro a querida bicicleta.

Não sei se corro sobre o asfalto ou é o asfalto que se move sob as rodas. Sinto o vento, aquele vento que só os ciclistas sentem, esmurrando meu rosto e meus braços, motivo pra sorrir.

A Lua me persegue por todo o trajeto e sinto que, assim como pedalo solitário pelo asfalto negro, ela, lá em cima, também caminha solitária, pela noite igualmente negra. Passo frente a um posto de gasolina e penso que meu pai, em alguma cidade deste país tão grande, já encostou seu caminhão e dorme num pátio de posto.

Pedalando pela madrugada, sempre escutamos três sons que se repetem, independente do tempo: o latido dos cães, o ronco dos motores, que nascem e morrem a cada noite e o grito dos bêbados reprimidos, todos aspirando à liberdade. Sinto que minhas pernas estão duras, mas não cansadas. A Lua se escondeu por trás de alguns prédios. Paro por um instante e fico observando aquelas enormes caixas de concreto, pandoras. Algumas luzes estão acesas.

O homem na sala, fugindo da vida que leva em seu dedo; a mulher na cama, sonhando com o futuro que nunca está presente. As duas amigas na sala, copos de vinho e pizza fria e aquela velha nostalgia que varre qualquer chance de que algo vá dar certo. A mulher que olha pela janela, sem se fixar em ponto algum, apenas buscando sua paz interior, tentando ficar bem consigo mesma. O homem que tenta esquecer a única mulher que ele realmente amou em sua vida. Alguns casais estão abraçados. Amor, ou o costume? Todas as outras luzes estão apagadas. Camas rangem, mãos tocam, bocas mordem? Não sei.

Volto a pedalar e vejo que a Lua me ultrapassou, agora estou em desvantagem. Ela não para por ninguém, mas todos param para vê-la, vai entender. Devo estar longe. O mesmo vento, o mesmo asfalto. Fujo das subidas, acelero nas retas. A cidade tem poucas árvores e muitas pessoas, mas, nesta hora, nenhum dos dois, a cidade está vazia. Escuto um estrondo, parece que vai chover. Ultimamente está assim, chuva, tudo transbordando.

Pedalar, eu preciso. Para trás, lá na frente, ao redor, não tem ninguém. Só quem pedala comigo é a liberdade, criatura etérea, muda e surda, não parece boa companhia. É claro que a liberdade é maravilhosa, mas, às vezes, vem acompanhada da solidão. Não reclamo, só...pedalo.

Volto pra casa e vejo brilhar, timidamente, três estrelas no céu. Daqui a pouco meu pai vai acordar e prosseguir seu caminho, a Lua também. Já Cristo, bem, tomara que não tenha exagerado no chopp. Minhas pernas estão cansadas, meus olhos ardem. Agora as estrelas decidiram forrar o céu, vou dormir.

*28/02/2011