Mães cariocas

Era o terceiro moleque que ele vira atravessando a rua agarrado à mãe. Estamos falando de garotos com mais de doze anos e de mães, cariocas, com mais de quarenta. Ele, que tomava cerveja em plena luz do dia, contrastava com a rotina da cidade, de certa forma. Mas, devido à ocorrência de tantos atravessamentos de rua nas circunstâncias citadas, percebeu, ou resolveu, que a rotina da cidade era quem absurdava e não o teor alcoólico em sua corrente sangüínea.

Sendo assim, então, se atreveu:

– Minha senhora! – e arrependeu-se em seguida de seu tom autoritário. Ainda assim, houve resposta da madame.

– Pois não? – virou-se com educação, mas como quem está contando os minutos mentalmente.

– A senhora tem medo de atravessar a rua sozinha? – com serenidade, tinha encontrado o tom adequado.

– Olha, não entendi a pergunta. – a senhora, no mínimo, sentindo-se invadida.

O homem levantou-se e mostrou como deveria ser. Separou o garoto da mulher com suas próprias mãos, e disse:

– Não podem atravessar assim? – ele realmente achava melhor.

– Tá vendo, filhão, o homem quer que você cresça. – trocando a sacola de braço.

– Não, minha senhora, eu só acho que não precisa o garoto agarrar-se a senhora. Me dá aflição.

– Mas é costume! – ela riu e tomou o incômodo do rapaz por implicância de bêbado.

– Mas até quando isso? – escapou-lhe um soluço.

– Ele que decide, não é, filho? O dia que ele sentir vergonha, não tem mais que me dar o braço. E, se preferir, não precisa nem mais andar comigo pela rua. – e bagunçava o cabelo do moleque.

– Mãe, eu gosto de fazer assim mesmo! Não vejo problema nenhum e nunca vou sentir vergonha disso. – olhava para a mãe porém, respondendo ao rapaz, a quem sequer dirigiu o olhar.

– Até você começar a namorar! – o estranho abelhudo e a mãe disseram isso ao mesmo tempo.

– Mãe, vamos atravessar, o sinal fechou. – de fato, e seu rostinho corado fechou-se também, de vergonha.

E atravessaram. Agarrados! O rapaz sentiu-se ridículo por implicar com esse gesto, que só viu repetir-se tanto em ruas cariocas. Nem no interior de São Paulo, nem na capital, via desse tipo de contato físico entre mãe e filho. Essa sua implicância pelas mães atravessarem as ruas agarradas aos filhos é por motivos pessoais, não há dúvidas. Sua própria mãe morreu décadas atrás quando tentou livrá-lo, ele então moleque, de um acidente com um Corcel, justamente quando atravessavam a Nossa Senhora de Copacabana na altura dos quatrocentos, numa tarde de setenta e três. O dia e horário exatos podem ser checados no arquivo dos jornais. Um episódio trágico, do qual nunca se recuperou.

Lembrou, enquanto a outra cerveja não vinha, que sua mãe certa vez fizera parar o bonde de Santa Tereza para pegar um de seus lápis de cor, o bege, que caíra por ele, teimoso, insistir em colorir revistinhas durante o trajeto. Ela sempre se arriscou muito por ele.

– As mães não deveriam poder morrer assim, como a minha! – esbravejou um tanto alto, enquanto era servido sem espuma.

Mudou-se do Rio de Janeiro depois do acontecido, com o pai e a irmã mais velha, para São Paulo, no interior, onde atravessar ruas sozinho é incentivado, inclusive. E agora, anos depois, sentia-se um forasteiro na cidade que lhe dera vida. Estava muito complicado lidar com essa sensação.

– Quer saber? Quero que a mãe do meu filho seja carioca! – como se à mesa ao lado isso interessasse.

Deixou seu ar melancólico e nostálgico com o cinzeiro sujo e trouxe à tona seu garanhão enrustido para, quem sabe?, fisgar uma esposa em Copacabana. Uma forma de reaproximar-se de seu passado.

– A primeira que passar desacompanhada eu agarro, estão ouvindo? Eu agarro mesmo! – forçando feio o sotaque, completamente deslocado e triste.

Marcos Baô
Enviado por Marcos Baô em 03/09/2005
Código do texto: T47210