rapaz comum

- Uma cerveja...

- Qual?

- A mais gelada.

Enquanto pensava, bebia. Pensava bastante. Bebia bastante. Mais um dia de trabalho, nada especial. Cumprira a rotina tal qual uma máquina. Sentia-se uma peça. Sua função não exigia muito. Precisava prestar atenção para conferir o material e a nota fiscal. A qualquer momento poderia ser substituído. Qualquer um poderia substituí-lo facilmente nos afazeres da Expedição.

Pensava em tudo isso e bebia. Pensava em sua vida vazia.

Um amigo senta-se ao lado.

- Muito trabalho?

- Tiro de letra.

- Imagino... Quantas dessa já tomou até agora?

- Essa é a primeira.

- Essa hora?

- Fiquei trabalhando até mais tarde.

- Que merda!

- Nem me fale...

Mais dois amigos, mais umas cervejas. Quase todos os dias são iguais.

- E esse aqui ontem, ficaram sabendo?

- Não...

- O que o babaca aprontou dessa vez?

- Pra variar, bebeu tudo que tinha pela frente no boteco perto da Faculdade. Ajoelhou na calçada, depois caiu de cara no chão.

- Por isso essa marca na testa?

- É... Sem contar a chuva. Sem noção.

Ouvia histórias. Contava histórias. Quase sempre sobre bebedeiras. Também as de sacanagens, as brigas. Nunca faltava o futebol. As confusões no estádio. Os baseados. O pó.

Era quase sempre assim.

- Dá um cigarro.

- Sua vez de jogar.

- Empresta o isqueiro.

- Vai logo, é sua vez.

- Calma.

- Você é folgado igual aquele alemão do Big Brother, manja?

- Vai se foder, não assisto essa bosta.

- Lógico, você não tem uma namorada. Então joga logo.

Cervejas, cigarros, bilhar. Estádio. Trabalho, encheção de saco no trabalho. Casos no trabalho. Vontade de pedir as contas quase diariamente. O aluguel do apartamento pra pagar.

Algumas festas. Algumas baladas. Alguns amigos. Algumas mulheres.

Papo furado.

Igrejas só em casamentos. Aliás, semana passada foi padrinho de um amigo de infância, que resolveu casar depois de engravidar a donzela.

Só visitava médicos em caso de vida ou morte. Odiava-os.

Também não tinha simpatia por advogados. Apesar de ter alguns amigos advogados dos quais ele até gostava.

Sempre votava nulo.

Nos últimos tempos andava indiferente ao que acontecia ao redor. Então conheceu uma mulher. Mulher interessante. Interessante e gostosa. Não a conhecia muito bem e sentia que ela lhe escondia algo. Certa vez falou sobre um ex-marido. Parece que o cara ainda não a tinha esquecido e estava na ilha, trancado. Quis não se importar com esse fato, mas ficou meio depressivo. Não quis mais vê-la.

Ontem pela manhã a polícia encontrou o corpo dele boiando no Tietê. Ninguém sabe o que aconteceu.

Leonardo André
Enviado por Leonardo André em 16/05/2007
Reeditado em 16/05/2007
Código do texto: T489130