A menina, o velho e o mar

Era quase um ritual. Todos os dias, mais ou menos na mesma hora, estava lá aquele mesmo velhinho, sentado na beira do mar. Não falava nada, só observava, como se aquele oceano fosse um ponto da sua vida, um pedacinho do seu canto particular.Olhar fixo, geralmente perdido, mas ele permanecia ali. Não raro era acompanhado por uma garotinha, franzina, de tranças, que sempre sentava-se ao lado daquele velho senhor. Ambos permaneciam quietos, sem trocar uma palavra, só o silêncio falava por eles. Não se conheciam, não sabiam de onde vinham, pra onde iriam. Não perguntavam, não questionavam nem mesmo os próprios nomes. Apenas olhavam.

Dias passavam e o ritual permanecia. A menina, as vezes voltando do colégio, encontrava ali, no mesmo lugar, aquele mesmo senhor, cuja feição a lembrava de uma estátua, uma estátua viva, que suspirava a cada onda que desdobrava. A menina sentava-se e olhava o infinito, como que acompanhando o mesmo sentimento.

Certa vez,armava-se uma tempestade e a menina encontrava-se amedrontada, mas sem coragem de deixar o velho senhor ali, sentado, perdido. Para sua surpresa, o ancião desenhou a volta dos dois um grande círculo e ali permaneceu. A menina lembrara-se que certa vez, ouvira uma lenda indiana, que dizia que o círculo era um sinal de proteção e quem encontrava-se dentro dele, nunca correria perigo algum. Aquilo a confortou e, misteriosamente, a tempestade não se efetivou.

Os anos passaram-se e o ritual ainda repetiu-se por muito tempo. A menina, agora mulher feita, havia se mudado para uma cidade vizinha e raramente encontrava tempo de visitar o velho mar. Ainda perguntava-se se aquele simpático senhor ainda vivia, junto com seu adorável "aquário natural".

Ao regressar ao local que tantas vezes esteve durante a infância e adolescência, agora levando a tiracolo sua pequena filhinha, a então menina chorou. Chorou ao lembrar-se de seu velho companheiro, que agora não estava mais lá, certamente fora levado pelos ingratos anos. Mas chorou, principalmente, ao perceber que mesmo depois de tantas anos, misteriosamente, aquele círculo desenhado naquela tarde quase tempestuosa, permanecia ali, intacto, apenas um pouco apagado pelas ondas e pelos anos, mas que ainda guardava vivo no seu traço, o verdadeiro significado que uma bela amizade, mesmo que sem palavras, pode ter.

Lívia Paiva Ribeiro
Enviado por Lívia Paiva Ribeiro em 11/09/2005
Reeditado em 12/09/2005
Código do texto: T49517