"João do Peixe" ou "Simplesmente, Natália"-Contos Curtos.

Natália aspirou o odor, o cheiro, o perfume de maresia, plantou seu guarda sol, tirou o chapelão e óculos , sentando na cadeirinha em frente ao mar radioso daquela bela manhã ,no Rio de Janeiro, praia de Copacabana .Mas depois de alguns minutos o estômago roncou, e Natalia pensou, alegre:-Será samba? Será verso? Ou o Rio me contagiou?

Risonha, encaminhou se para uma barraca onde vendiam peixes inteiros enrolados em casca de bananeira .O dono, cozinheiro, e garçon da pequenina barraca, perguntado, identificou se como João pescador, porque ele mesmo capturava as garoupas, tainhas, sardinhas, ou burriquetes que assava para vender.

João tinha uma carona cheia de risos e enrugada com rugas brincalhonas, tristonhas ou, quiçá, de desilusão ,além de um sorriso largo e simpático, onde faltavam os dentes da frente. João tinha, sim, porteira, qual um menino que troca os dentes. E,seja porque Natália lhe despertou empatia , seja porque era a única freguesa da banca neste dia, João lhe contou sua história de vida:

-Venho de Itacaré, na Bahia ,moça, sou filho de pescador e tenho seis irmãos. Meu pai pescava para nos encher a barriga mas, um dia em Itacaré o peixe escasseou e nunca mais voltou .Dizem que meu pai definhou de tristeza pela falta da pescaria e por isso morreu. Depois de enterrar o velho, minha mãe matou a única galinha que havia no barraco para nos fazer um almoço, e vendeu o ouro dos dentes de meu pai. Dividiu o dinheiro entre nós seis ,uns poucos trocados, nos deu a galinha de comer e anunciou que seria nosso último almoço do dia em que não nos veríamos mais. Pôs cada um em um lambe -lambe, com destino certo,e nos orientou para chegarmos na cidade ou vila nova pedindo o que comer e trabalho e mais um cobertor para dormir. Assim eu desembarquei no Rio de Janeiro há dez anos atrás ,e logo vim para a praia. Esmolei, consegui uns trocados, comprei duas maçãs,duas tangerinas e vendi .Com os vinténs, comprei mais maçãs, bergamotas e bananas e fui vendendo, vendendo, até que botei os olhos num barraqueiro que assava peixes. E isto eu sabia fazer, para minha alegria !Então, montei esta barraquinha e comecei a pescar e assar o peixe. Meus fregueses são poucos mas gostam do meu churrasco de peixe e, às vezes, até me dão uns trocados a mais.Com o que tiro por mês aqui, pago um quartinho na favela da Rocinha , como bem todo dia , tenho este marzão para minha sala de espera e ainda posso espiar as pernas bonitas de mulheres como a sra. E João riu, com seu sorriso desdentado, estendendo o peixe assado para Natália que o saboreou, estalando os lábios , gulosa. Satisfeita,em seguida, e comovida com a figura risonha e humilde do João, elogiou lhe o churrasco e ,mesmo, seu sorriso desdentado falando :

-Obrigado, João Pescador, agora o senhor tem muita coisa, como sua grande simpatia!

-Ui, moça, retorquiu João, risonho, eu só tenho mesmo isto, simpatia mais minha vida, minha saúde!

Um mês passado o episódio, Natália volta à Copacabana, procurando pelo delicioso peixe do pescador ,mas não encontra a barraca,sequer João. Saiu então pela praia a perguntar e soube que João morrera de enfarto, sem assistência médica e no barraco da Rocinha.

Lembrou dele, ferida ,lembrou de sua humildade,lembrou de suas posses: simpatia e saúde.

Mas se João perdeu a saúde, o mar perdeu sua simpatia e Natália, entristecida, voltou para casa sem peixes e sem sorrisos.

Garoava, aquele dia, no Rio de Janeiro, praia de Copacabana...

Suzana da Cunha Heemann
Enviado por Suzana da Cunha Heemann em 12/10/2014
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