O QUE TEM PARA O ALMOÇO?

Cinco para o meio-dia. Será que daria tempo de pôr a mesa antes que Silvio chegasse?

Inês verificou se estava tudo em ordem para que ao sentarem a mesa não houvesse nada que o zangasse, e assim tivesse algum motivo para maltratá-la.

Olhou mais uma vez para o relógio que outrora havia sido de sua avó, e por uma fração de segundos pensou se sua avó fora feliz. Achava que sim afinal, fora casada por 35 anos e só terminou quando um derrame levou seu companheiro. Mas e ela? Era feliz?...Bobagem - pensou. O fato de que Silvio era exigente com tudo, de não leva-la para passear, passar vários dias sem tocá-la, era normal afinal, ele trabalhava muito enquanto que ela ficava em casa desfrutando de todas as mordomias. Tudo bem que fazia o serviço todo e cuidava das crianças, mas isso era o papel da mulher. E além do mais ele não deixava faltar nada de material em casa.

Pronto! Tudo pronto. O barulho do carro entrando na garagem revelava que ele havia chegado. Inês tirou o avental e prendeu a mecha de cabelo que teimava em se desprender.

Apressou-se em abrir a porta para recebê-lo e mecanicamente desenhou um sorriso ao avistá-lo porem como de costume Silvio passou por ela sem ao menos olhá-la e foi logo perguntando o que tinha para o almoço. Ela olhou para aquela figura fria que nem de longe lembrava o homem por quem havia se apaixonada há tantos anos atrás e por quem entregara seu coração, seus sonhos e planos de felicidade e de amor. Sacudiu a cabeça como se dessa forma pudesse espantar esses “maus pensamentos”.

Quando finalmente iam se sentar à mesa, Silvio ordenou as crianças que saíssem, pois precisava falar com a mãe deles. Sem a presença das crianças e sem entender o porquê daquilo tudo, Inês perguntou o que havia acontecido e pela primeira vez naquele dia ele a olhou com aquele olhar frio como de costume, porém carregado de crueldade revelando-lhe que queria a separação, pois estava apaixonado por outra e queria viver esse amor.

Inês sentiu como se a frieza de suas palavras a congelasse e por alguns momentos não conseguiu ilustrar nenhuma reação. Percorreu seus olhos para o relógio de sua avó e pensou no que sua avó faria diante de uma situação dessas.

Tentando reunir forças pôs-se a pensar naquilo que deveria fazer e dizer.

O mais sensato seria dizer-lhe que se era realmente o que ele havia decidido, se era realmente o que ele queria então estava tudo bem, que ela não seria empecilho para sua decisão. Essa seria a atitude mais digna a tomar, mas e depois o que seria dela? Como iria suportar viver sozinha? Como faria para criar e educar seus filhos? Como faria para pagar as contas, uma vez que não havia concluído seus estudos para que pudesse tomar conta da casa e dos filhos? O que diria para sua família e para seus amigos? Não, ela não poderia permitir uma separação entre eles.

“Isso passa, - pensou-, é só uma ilusão como das outras vezes. Tenho certeza que logo, logo ele irá cair na realidade e é preciso que eu esteja a seu lado quando isso acontecer... Meus sentimentos? Nessa altura de minha vida não importa o que eu sinta, preciso sim conservar minha família a qualquer custo.”

Engolindo qualquer resquício de escrúpulos, Inês implorou-lhe que não fosse embora, que não a deixasse. Pediu-lhe que fizessem de conta que nunca haviam tido aquela conversa e que se de vez em quando ele precisasse se “ausentar por algumas horas” ela saberia esperá-lo sem cobranças.

O minuto que se seguiu foi cheio de silêncio e expectativa para ela. Enfim ele esboçou um sorriso embora sarcástico e cínico, porém significativamente positivo à proposta que ela o fizera.

Silvio chamando as crianças de volta à mesa passou a servir-se daquela comida tão impecavelmente preparada e servida, e todos caíram no mais profundo silêncio enquanto comiam, como se nada tivesse realmente acontecido.

Inês olhou pela última vez para o dito relógio dessa vez com um suspiro de alivio ao verificar que embora o almoço estivesse com um pouco de atraso, nada havia mudado... Nada mesmo!!!

megh
Enviado por megh em 15/09/2005
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