PORRE DE AMOR

A única coisa que eu queria era uma aguardente. Só isto. Sentada naquele bar apinhado de gente feliz, e eu levando um belo pé na bunda, minha saída mesmo era tomar um porre e sair carregada dali direto para um hospital, em coma alcoólico.

Mas a minha frente, além do Marcelo, só estava um copo de suco de melancia que não embebedaria nem uma velhinha de cem anos. Enquanto o desgraçado explicava os motivos para dissolver o nosso namoro, eu pensava em como seria interessante se eu pudesse ter poderes para transformar meu suco em álcool e o Marcelo em uma ameba. Que droga. Eu achei que ele fosse apaixonado por mim. Em poucos minutos, descobri que meu amor não era recíproco.

Ah, mas ele falou muito. Falou até demais para o meu gosto. No início, quando ele veio com aquele papo de querer falar um “assunto muito sério” comigo, achei que seria alguma coisa boa para nós dois. Noivado, casamento, vida em comum. Como sou boba. Será que toda mulher é boba como eu?! Prestes a levar um fora, eu ainda achava que seria pedida em casamento. Então o Marcelo começou a falar. Veio com inúmeras desculpas, aliás, tudo era desculpa. Fiquei escutando tudo, calada, sem dizer um pio. Dizer o quê? E se eu abrisse a boca, era capaz de chorar. Aí era melhor ficar quietinha mesmo. O Marcelo que falasse o que quisesse. Adiantaria eu falar alguma coisa? Não. A decisão dele estava tomada. Unilateralmente. O que eu queria mesmo era uma garrafa de aguardente e tomar um porre.

Só que eu não fiz nada. Tomei calmamente meu suco de melancia, tentando fingir que sim, estava tudo bem. Mágoas? Nenhuma. Era mentira. O negócio era seguir em frente. O Marcelo finalmente calou a boca e ficou me olhando, esperando que eu dissesse alguma coisa. Eu não disse nada. Ainda não estava preparada.

- E…?

Olhei para a cara do desgraçado. O que eu poderia fazer? Implorar que ele ficasse comigo? Não. Jamais. Nenhum homem que nunca esperasse isto de mim. Nem com meu coração explodindo de dor e raiva como estava naquele momento.

- Sim? – perguntei eu, acabando com meu suquinho de melancia.

- Bem, eu… eu acabei.

- Acabou de falar? – perguntei, fazendo uma baita esforço em manter a minha voz firme.

- Acabei… - ele estava sem jeito – E você? Quer me dizer alguma coisa?

- Não.

- Não? – meu agora ex-namorado me olhava com uma cara de espanto. Devia estar pensando em como tinha sido fácil me dar um pontapé na bunda. Na certa, ele achava que eu era a única mulher do mundo a ser descartada sem dizer um pio.

- Quer que eu implore que você fique comigo?

Minha voz ficou um tom acima do normal. As pessoas que estavam próximas ficaram em silêncio.

- Olha, eu…

Quando eu percebi que tinha audiência, decidi usar aquilo a meu favor. Não, eu não seria a mulher mais idiota do mundo, pelo menos naquela noite. Me levantei e peguei minha bolsa. O Marcelo continuou sentado, olhando-me com aquela cara de espanto.

- Te digo mais, meu querido. Nunca gostei mesmo de você. Sei lá, você não é homem para mim. Gosto de homens com personalidade, que saibam conversar, que tenham um futuro pela frente. Ah, me amarro em cafajestes também. E para meu gosto, você é um bundão.

Várias mesas ouviram o que eu disse. Saí de cabeça erguida, altiva e com minha dignidade recomposta, tentando imaginar a cara do Marcelo. De bundão ele nunca teve nada e ele foi um dos poucos caras inteligentes e de futuro que eu namorei. Mas eu, como mulher, jamais deixaria passar barato aquilo. Levar um pé na bunda e deixar tudo por isto mesmo? Não, eu não. Entrei no primeiro boteco e comprei um litro de aguardente. Tomei um porre, passei mal e nunca mais vi a cara do Marcelo. Mas ao menos eu posso me olhar no espelho todos os dias.

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 07/06/2007
Reeditado em 07/06/2007
Código do texto: T517372