Dona Maria...
A dona Maria voltou. Fiquei tão feliz em reencontrar a dona Maria!
- Tudo bem, dona Maria? Quando a senhora voltou?
- Já faz um mês, seo Antonio ... Eu tô bem ... A gente sofre, não? No hospital ... aqui ...
Ela me olhou com um olhar tão doce! Por um lapso de segundo, o olhar doce da Dona Maria se esbugalha, relanceia para o vazio e denota seu problema ... por um curtíssimo lapso de segundo ele parece demonstrar susto e medo.
Medo da vida, medo do escuro da alma, medo dos delírios, medo dos fantasmas.
A resistência à medicação é um dos problemas sérios da Dona Maria. Os remédios me dão muito sono, diz.
Mas o problema mais sério da Dona Maria está nas intempéries da vida difícil. Na solidão do espírito, na rejeição das pessoas, na falta do afeto, da compreensão e da solidariedade.
Todo mundo vive cheio de problemas. Vê lá se vão se preocupar com os problemas da Dona Maria. Ela é louca!
E assim vai a Dona Maria ... Uma vida de passeios. Tristes passeios. Vai e volta ... Do mesmo lugar para o mesmo lugar ... De sua casa para a casa de saúde. De sua lucidez temporária para um novo mergulho nas sombras da memória. Sombras feitas de fantasmas, de delírios, de sofrimentos e das agruras que a vida lhe dá.
E a vida continua na pacata cidadezinha. E a dona Maria quase que nem sequer é notada.
Até a próxima crise. Aí alguém terá que chamar a atenção dos responsáveis pela saúde para que atendam a dona Maria.
A ambulância chega. Dá um trabalho pra convencer a dona Maria. Ela não quer passear, prefere ficar em sua cidadezinha.
Lá pra onde ela vai é muito triste. Como aqui ...