A Dama de chapéu

A DAMA DE CHAPÈU

Era um tempo em que vestia-se com apuro. Todos, num eterno desfilar de elegância, andavam num vai-vem pelas ruas, mostrando suas belezas, bom gosto, vaidade e futilidade. Eram roupas mais enfeitadas, dependendo da hora, tinham complementos diversos, de un modo geral eram diferentes das de agora. As mulheres, apressadas para fazerem suas compras, olhavam todas as vitrines, com atenção e curiosidade, já aos homens cabia, depois do trabalho, irem em grupos de bate-papo se reunindo e pondo as conversas em dia.

Rio de Janeiro, efervescente de novidades. Tudo era motivo para as pessoas sairem e se deliciarem com as belezas próprias do lugar. Capital Federal! Cidade Maravilhosa! Regurgitante de assuntos variados, encontros entusiasmados, vida de encantos que seduziam e estimulavam, dando sentido à vida mundana de cidade grande, daquela época.

Era costume reunirem-se escritores, políticos, poetas, e funcionários do alto escalão nas casas de chá que freqüentavam com assiduidade, apreciando bons papos, assistindo o desfilar das mulheres elegantes e charmosas assíduas naquele lugar também. Punham os assuntos em dia, nada faltando nos díspares comentários que se acaloravam, educadamente, pela tarde afora. Eram pessoas culturalmente conhecidas, praticavam essa maneira de ser e de estar, como uma constante dos bulícios, dos papos furados cheios de novidades e cobertos de malícia.

Em grupos se acotovelam nas mesmas mesas, como se estivessem reservadas pra eles particularmente. E os papos corriam soltos, os olhares com se estivessem à procura de pessoas

interessantes. Casa de chá elegante, com seus vitrôs, espelhos, cristais que tilintavam ao passar dos pratos no afã de servir os ilustres fregueses. Pratas, cristais no maior luxo, faziam parte do elenco de beleza e suntuosidade do lugar famoso e convidativo.

"Confeitaria Colombo", década de 30, centenária brilhante, palco de desfiles do nosso Rio Antigo, permanecendo até os dias de hoje, conhecida e apreciada pelo mundo afora. Certo dia, casa cheia, eis que aparece adentrando aquele ambiente agradável, uma mulher linda, extremamente formosa, vestida elegantemente, dona de uma impressionante beleza feminina, andava, não, deslisava em seu trotar pequenininho e dirige-se à única mesa vazia. Senta-se, deixando no ar um perfume suave e embriagador que lembrava "Amour amour" de Jean Patou, e também "Fleurs de Rocaille" de Guerlain, delicioso de se sentir, aquele mágico odor de

perfume angelical. Mas o que mais ressaltava nela era aquele chapéu meio de lado , lindo, maravilhoso e elegante que a encobria em mistério, de um rosto meio escondido pela aba larga, aparecendo apenas detalhes daquele rosto de feições finas. Que lindo observar a elegância dessa mulher desconhecida, extremamente bela, vestida de seda pura, enluvada e enchapelada

Foi uma reviravolta, os homens animados, sorridentes, corados com a emoção em ver tão bela dama a tão poucos passos deles. Foi um acontecimento, todos querendo adivinhar quem seria aquela mulher linda demais... Mas ela se mantinha em atitude séria, serena, alheia àquele burburinho ao seu redor. As mulheres a olhavam com inveja, com conversinhas baixinhas, tentando encontrar falhas que a fizessem menos desejável, criticando o que não tinham nada a competir, ou sobressair. Coisas de mulher, sempre as mesmas atitudes através do tempo e do mundo. Mas a Dama de chapéu não se interessava em nada do que se passava ao redor. Delicadamente tomava seu chá, em goles pequeninhos, saboreando com prazer.

Com a mesma sutileza da chegada, ela vai embora, sem lançar olhos pra ninguém e some rua abaixo, deixando seu rastro perfumado pelo caminho. Na Colombo deixou aquela interrogação aos que a observavam: "Quem é ela? De onde veio? Pra onde vai?" Perguntas sem respostas. Admiradores frustrados, ambiente silencioso.

No dia seguinte a mesma cena, no mesmo horário, chega ela, tranqüila e delicada se dirige à mesma mesa que, por incrível que pareça, estava vazia. Mas vinha com outro toalete diferente, seda pura amoldando aquele corpinho jovem, em outro estilo de moda, luvas, mas o chapéu era outro pra combinar com sua elegância. Sempre mais a encobria com suas abas seu misterioso semblante. Os fregueses habituais, num reboliço danado, mandavam pelo garçom seus cartões, mas ela os devolvia sem olhar e continuava a tomar seu delicioso chá.

O tempo passava e as coisas continuavam a acontecer da mesma maneira. Era um eterno entrar e sair da loja, cada dia mais fregueses e isso alegrava o dono, que resolveu reservar aquela mesa só pra ela, enfeitada de flores para seu agrado. O inverno chegando e as coisas se processando da mesma maneiro, aquele cenário encantador. Com o frio ela entra, pela última vez, mas vinha linda como sempre, desta vez com uma estola de pele embelezando seu colo de mulher. Foi a gota d'água. Parecia que o mundo vinha abaixo ao ver a reação das pessoas, mirando a bela Dama de chapéu, com sua presença insinuante e graciosa.

Foi a sua última passada por ali. Ninguém podia imaginar isso, mas assim como apareceu, ela sumiu do mapa. Constrangimento geral, tristeza profunda. Afinal quem era ela que enfeitiçou tantas pessoas? Aonde morava? As esperas continuavam e ela nunca mais apareceu. A cidade ficou mais pobre. As pessoas mais tristes e os jornais badalavam sinos de melancolia. A mesa continuou reservada, enfeitada de flores por muito tempo, marcando sua ausência, desconsolada.

Rumores surgiram, boatos se atropelavam na ânsia de descobrir esse mistério.

Foi uma procura insana por ela. Ninguém a conhecia. Sumiu na poeira do tempo...

Afinal, quem era a "Dama de chapéu?" Disseram até que ela não era desse mundo...

Silêncio absoluto!

(Fato verídico)

Maria Myriam Freire Peres

Rio de Janeiro, 06 de março de 2005

http://myriamperes.blog.terra.com.br/myriam_peres_contos_selecionados

Referências:

http://www.myriamperes.mayte.us

Myriam Peres
Enviado por Myriam Peres em 09/07/2007
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