Impassível
Entre dois silêncios a palavra nunca existiu. A mudez de outrora se fez repentina tagarelice de línguas indecisas. Os olhos pacatos já devoram o tráfego ás seis da tarde, piscam – espasmos periódicos – a procura do próximo instante .
Pendente a mão se cansa, ás vezes, de pedir carona, outras não.
Um sujeito, solícito senhor e seu sorriso bem penteado, encostou o carro alguns metros à frente da moça impassivelmente atrasada.
- Eu também. – disse o breve senhor
- O quê ?
- Eu também estou atrasado. Porém, já faz algum tempo.
- Eu também.
- O quê ?
- Também já faz algum tempo.
- Que está atrasada?
- Não, que estou adiantada de mim mesma.
- Ás vezes ?
- Sempre.
- É aqui ?
- Sim, obrigada.
A impassibilidade do seu atraso fez com que ficasse quieta defronte uma sala de grilos falhantes. Os olhos do mestre apontaram agudos os seus. Um passo lento a carregou para o gole de café, colocou a mão no bolso, inventou um cigarro e fingiu ser doce a nicotina solitária em seus pulmões. Recostando-se numa pedra mórbida, sua cabeça citava epitáfios bonitinhos cheirando borboletas, e de seus olhos escorreram gotículas de néctar, e de sua boca ausentou-se mesmo o cigarro barato.
Com a boca oca de tanto vazio ela calou-se mais uma vez. Sorrateiramente – impassívelmente atrasada – ela entrou novamente na sala, jurou complacência aos olhos do mestre e sentou-se na mesma cadeira de outrora, aquela que ficava entre dois silêncios, onde nenhuma palavra habitava.