Se não fosse trágico, seria cômico...

Parecia uma eternidade aquela longa espera na recepção do hospital. Melissa, que andava de um lado para outro, parou e levantou seus olhos para o alto. Em prece, que mais era um lamento, fazia perguntas desconexas, esperando respostas concretas, na ânsia de querer acordar de um sonho ruim, um pesadelo que parecia não ter fim, não se importando com os olhares curiosos das pessoas que passavam por ela, naquele vai e vem do ambulatório de emergência do hospital central.

Agora se jogara numa das cadeiras brancas daquele ambiente frio, sem forças para se manter em pé, com as lágrimas borrando a maquiagem que antes realçavam seus belos olhos. Aguardava o resultado dos exames  da filha.

“Será uma noite inesquecível”, dissera para a filha Silvinha, quando se aprontavam para a recepção de confraternização de final de ano de uma importante associação de empresários, da qual fazia parte.

A bela mansão cinematográfica dos Alcântara Fernandes, proprietários de  um magnífico haras,  foi o cenário de uma noite de deslumbre, de convidados seletos, figurinos maravilhosos e um serviço de jantar , à luz de velas, digno de príncipes e princesas, com requinte nos mínimos detalhes. Seus amplos salões, suítes maravilhosas, sauna, duchas, salão de ginástica, quadra poliesportiva, piscina, spa com hidromassagem e jardins,  além de um amplo estacionamento para convidados, era algo impressionante.

Os convidados eram recepcionados no primeiro salão e encaminhados para uma escada levemente em espiral, que os levavam ao salão principal onde as mesas estavam postas para o jantar e um lindo piano branco, de cauda, entoava uma música suave, dedilhado por um músico de fama internacional.

Tudo perfeito, pensava Melissa, que dividia a mesa com a filha Silvinha, dois casais de amigos,  seu chefe e a esposa dele.  Melissa havia aceitado o convite de Pedro e Luana, que lhe ofereceram carona para o evento. Era conveniente para ela pelo fato de que não conhecia o local da festa e não gostava de dirigir à noite, principalmente por estrada desconhecida e também poderia até se deliciar com um bom vinho, coisa que seria impossível se tivesse a responsabilidade de dirigir.

A noite transcorria em perfeita harmonia até que, após o jantar, Melissa desceu para o jardim com a filha para conhecerem as dependências externas da mansão. O local estava lotado de pessoas e ficava impossível transitar pelo corredor  que levava à piscina. Resolveu, então, retornar, mas, no caminho,  deparou-se com um amigo muito querido da associação, cumprimentou-o a ele e a esposa e quando se virou para apresentar-lhes a filha, ela não percebeu que estava na borda da piscina de hidromassagem, não tinha como saber porque as pessoas se esbarravam umas nas outras e isso não permitia uma visão geral do local. Perdendo o equilíbrio, o inevitável aconteceu. 

Ouviu-se apenas um barulho de um corpo caindo na piscina de hidromassagem. E lá se foi Melissa para um mergulho, costas, involuntário. Caiu como estava, com seu lindo vestido de noite,  preto em voal, e um par sapatos que a faziam sentir-se especial, com a sorte que não carregava a bolsa.

Foi um fiasco. Todo mundo correu para resgatá-la da piscina. Melissa apenas sentiu duas mãos que a seguraram, uma de cada lado e a colocaram em pé no chão, eram dois diretores da associação e logo ouviu alguém perguntando-lhe:- “Você está bem?” . Quando ela olhou para o dono da voz,  não sabia se ria ou se chorava. Era o prefeito da cidade que a olhava, todo solícito, mas com a maior cara de pena. Melissa balbuciou alguma coisa e logo em seguida foi puxada pela organizadora do evento que a levou para um dos aposentos para que ela pudesse se enxugar, recompor e se recuperar do susto. 

Melissa era a cara da vergonha, toda encharcada, com a transparência do vestido revelando as suas formas, sendo alvo da atenção de todos. Não se conteve e chorou, de vergonha e de raiva daquela situação estar acontecendo com ela e queria sair dali para nunca mais voltar. Pela sua cabeça passava que as pessoas estavam pensando que ela havia se excedido na bebida e isso não era justo porque não era do tipo de  cometer excessos, ainda mais em público. Porém, todos foram muito gentis e educados com ela, ninguém riu nem fez nenhum comentário a respeito, muito pelo contrário, todos fizeram com que ela se sentisse à vontade para curtir o resto da noite. Era uma linda noite quente de verão e como o vestido era leve, logo secou, menos os sapatos, e Melissa voltou para o salão principal.

Um pouco mais tarde, Carlos, que estava com a esposa na mesa com eles, decidiu ir embora e ofereceu carona a Melissa, mas eles moravam em sentido oposto ao dela e ela não quis incomodá-los e como não queria estragar a festa dos amigos, resolveu ficar mais um pouco, mas não saiu mais da mesa até a hora de  irem embora.

Deu graças a Deus quando o pessoal começou a se despedir e foi logo se dirigindo para a saída, porém, tinha que descer a escada que levava ao andar inferior... e a noite de tragédia parecia que não havia terminado para Melissa.

Estava próxima de terminar os últimos degraus e tropeçou na decoração lateral da escada, tentou segurar no laço que a ornamentava e, não tendo sucesso, rolou feito uma  abóbora, os cinco últimos degraus e, com muita sorte, a queda não foi grave, mas custou-lhe alguns arranhões e hematomas sentidos no dia seguinte.

Decididamente aquela maldita  mansão era mal assombrada, pensou Melissa, ao ser ajudada a se levantar e recusou o cafezinho com "petit fours" oferecido na saída, para não demorar nem mais um minuto ali.

O manobrista do serviço de valet trouxe o veículo de Pedro e Melissa e a filha se acomodaram no banco traseiro. Era um veículo de duas portas e um tanto quanto desconfortável, mas  ela queria mesmo chegar o mais rápido em casa. Saindo da mansão, ela ouviu Luana perguntar a Pedro se ele queria que ela dirigisse, ao que ele respondeu que não.  Melissa não se atentou ao fato de que Pedro havia exagerado na bebida alcoólica e se arrependeu amargamente de não ter feito essa observação ao entrarem no carro. Na primeira curva, na estrada de terra, Pedro perdeu o controle do veículo e bateu num barranco. O carro capotou e ficou somente com duas rodas da direita para cima. O infeliz estava tão bêbado que não tinha noção da gravidade da situação e resolveu dormir no volante. 

Dois carros estavam logo atrás e prestaram socorro para tirar as vítimas do veículo. Como o carro tinha duas portas, a saída teria que ser somente pelo lado do carona, saíram então, Luana, Silvinha e em seguida Melissa. Assim que ela saiu, ficou surpresa por estar sendo resgatada novamente pelos dois diretores que a haviam tirado da piscina. Não!!! pensou Melissa, aquilo não estava acontecendo, não com ela...

Eles viram que ela estava bem e fizeram uma brincadeira com ela para quebrar o gelo daquele momento desconcertante, dizendo:- “Você, novamente, Mel? “ Misercórdia!! Melissa falou baixinho, para si mesma...era o cúmulo da decadência!

Era o fim, ou quase. Melissa achava que tudo que tinha que acontecer naquela noite já havia acontecido...ledo engano!

Pedro foi retirado com muita dificuldade do volante porque oferecia resistência pelo próprio estado de embriaguez, mas conseguiu sair do carro antes de uma viatura de polícia, que fazia ronda no local, chegasse para averiguar o ocorrido. Luana se responsabilizou pelo acidente para não complicar mais a situação de Pedro. Como ninguém havia se ferido, todos resolveram voltar à mansão para que Pedro pudesse se recuperar daquele estado lastimável. Ao subir os degraus de entrada da mansão, Pedro, na frente de alguns convidados que ainda estavam saindo, vomitou naquele lindo piso de mármore preto que, pela imponência da mansão, deveria ser importado, e caiu ao lado de um dos leões de pedra, estátuas de mármore,  que ladeavam a porta principal da mansão.

Foi a gota d’água ou a ponta do iceberg que fez o titanic afundar. Melissa assistia àquela cena, num misto de cólera e vergonha, sentindo uma enorme vontade de esbofetear aquele homem na sua frente, mas conteve  seu ímpeto, felizmente, porque provavelmente seria destaque de um jornal famoso da cidade, tendo em vista que a repórter da coluna social  estava presente no evento e também porque Silvinha se queixou de dores nas costas.

Melissa, então, saiu daquela cena de horror, lamentando pelos pobres coitados serviçais que seriam encarregados de limpar toda aquela sujeira. Aceitou a carona de um dos diretores que a haviam socorrido dos seus infortúnios e se dirigiram para o pronto socorro. 

Enquanto Melissa aguardava na recepção consultando, a cada minuto,  o relógio pendurado naquela parede branca,   fazendo uma retrospectiva daquela noite infernal, Silvinha fez as imagens radiografadas e não foi constatado nenhum problema na coluna, a dor foi devido Melissa ter caído por cima dela quando o carro tombou, pois não usavam cintos de segurança, mas nada que um analgésico não resolvesse.

Melissa, então, agradeceu a Deus por não ter acontecido o pior e, abraçada à filha, saiu do hospital, quase amanhecendo, e as duas foram para a casa, querendo esquecer aquela noite fatídica...  

A bela mansão dos Alcântara Fernandes continuou sendo cenário dos eventos mais badalados da cidade, mas Melissa recusou todos os convites que recebeu, desde o trágico episódio...e ela tinha motivos de sobra para isso...



 
 
Os nomes dos personagens são fictícios, para preservar suas imagens,  mas a história e o cenário em que ocorreu são reais.

 



 
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Lucia Moraës
Enviado por Lucia Moraës em 28/09/2016
Reeditado em 05/06/2019
Código do texto: T5775056
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