O sonho nosso de cada dia

O homenzinho da portaria disse:

-Senhora o doutor lhe espera – ela olhou por cima do ombro, a filha estava lendo um livro e olhou para cima e piscou, a mãe suspirou, o homenzinho não prestava mais atenção nelas, lia um jornal velho, mãe e filha estavam ali como pessoas comuns.

-Vamos filha – ela disse , levantou-se e entrou no consultório , como os consultórios públicos, um o local é simples porém limpo, o medico usava uma roupa de centro cirúrgico esfarrapada, creme no cabelo e parecia estar cansado , ele reconheceu mãe e filha da última consulta.

-Então os exames ficaram prontos? - a mãe fez que sim com a cabeça, mãe e filha não se pareciam, a mãe era magra e tinha cabelos pretos, a menina tinha a fisionomia do pai, e olhos tristes, cabelos sempre presos para o alto em coque, sóbria, parecia mais velha e o detalhe e que carregava um livro, o médico notou a presença do livro e disse agradavelmente – ela continua lendo?

-Esse é outro, crime e castigo.

-É um belo hábito, mas o livro não é um pouco adulto? – disse o médico, a mãe não respondeu nada, apenas mãe e filha sorriram uma para a outra. Frustrado o médico deu uma olhada nos exames com o ar sorridente, poucos são simpáticos assim, pensou a mãe, ele parece ter tanta certeza das coisas, a mãe refletia seus pensamentos no olhar e o médico olhava os exames com um ar despreocupado – como suspeitei esses exames estão normais, acho que eu estava certo, pode ser emocional, ela está passado algo?

A mãe fez que sim, depois olhou para a filha .

-Separei do pai delas – o médico não viu lágrimas, apenas um profundo pesar naquele olhar de mãe – faz três meses que ele deixou nossa casa.

-Bebida?

-Antes fosse, foi traição mesmo, suportei por tanto tempo só que agora não dá mais – a menina começou a chorar – nunca trabalhou, e , nos últimos dias estava se alterando com minhas filhas, principalmente com ela.

-Isso é triste – disse o médico – falta de Deus na cabeça de um homem desses.

A mulher jogou os cabelos negros para trás e disse com desdém:

-É pastor doutor.

O médico olhou para a adolescente de treze anos e pensou em como aquilo é terrível, estava sem palavras, sem argumentos, tinha ido longe demais em suas perguntas, porém não tinha como voltar atrás, então perguntou.

-Ele cumpre com a responsabilidade de pai ?

-Nem quer saber das filhas, acho que foi o demônio mesmo que pegou ele. Como pode um pai de são quatro meninas simplesmente esquecer que é pai? Já sumiu de casa, mudou-se para outra capital, foi viver com a mãe , aquela megera, ela sempre quis que ele voltasse para cuidar da artrose dela, eu que aguentei todo esse tempo, as traições, uma esposa deve edificar o lar, só que quando o comportamento dele atingiu as meninas eu dei um basta – ela não chorava apenas olhava para baixo as vezes, completou com voz firme - fele disse que quer viver uma vida livre, que não quer saber das meninas, já contratei advogado, mas sabe como é a coisa pra pobre.

O médico já não tinha o que falar, qualquer coisa sairia errada, então, com um toque no ombro da mãe disse:

-Acho que deve procurar um psicólogo, mas se precisar de um médico estarei aqui.

-Que Deus lhe pague.

JJ DE SOUZA
Enviado por JJ DE SOUZA em 06/12/2017
Reeditado em 06/12/2017
Código do texto: T6192166
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