Um Trágico Fim de Noite


Em uma sexta feira, manhã primaveril na cidade de Salvador, Bahia, João Soriano chega ao trabalho por volta das 10 horas e logo recebe um telefonema de Beatriz, uma querida colega de trabalho que fora transferida para uma cidade no árido sertão da Bahia.
Beatriz era uma morena muito bem dotada de atributos físicos muito bem distribuídos em seus 1,80 m de altura. Rostinho redondo e um pequenino sinal pretinho ao lado direito do rosto e o cabelo comprido até os quadris, o que lhe proporcionava mais graça em seus requebres pelos corredores da repartição.
De fato, não lograva ser uma mulher bonita na acepção da palavra, porém, seu belo patrimônio físico, aliado a sua inquestionável simpatia e aquele charme feminino no trato com os homens, sua voz meiga e rouca ao telefone, seu olhar inquisidor nos olhos masculinos, faziam dela a queridinha do sexo masculino e até de algumas bichas que nela procuravam inspiração.
O relacionamento de Beatriz com as mulheres era bom, mas, evidentemente, não tão próximo como com os homens. Ela mesma confessara aos mais íntimos, gosto mais da amizade dos homens, é mais sincera, além de que homem é um bicho muito gostoso.
Não se faz necessário dizer que o Soriano, moreno de olhos verdes, metido a conquistador, reprimia uma grande e velha paixão pela sedutora colega. Quantas vezes a presenteou com caixinhas de chocolates da Copenhague? Segundo a Rádio Corredor lhe teria presenteado certa feita com um buque de cinqüenta rosas extremamente vermelhas em demonstração de sua ardente paixão.
Receber aquele telefonema, justo em uma sexta feira, foi a melhor coisa que poderia ter acontecido para ele. Graças à Deus e a Santo Expedito que fizera ele ir a repartição naquela sexta feira, pensou consigo.
Na verdade Soriano costumava não comparecer a repartição todos os dias e principalmente no turno matutino. Neste turno, segundo carta anônima, certa vez postada para a administração, referido alto funcionário trabalhava administrando uma série de pequenos e médios restaurantes que sua família possuía em shoppings da cidade.
Os delatores anônimos devem ter ficado bastante insatisfeitos, pois nenhuma providência foi tomada pela administração para averiguar a denúncia. Falava-se à época que o Administrador mor fora colocado por um Deputado parente do Soriano.
Bea, como era chamada carinhosamente, estava com dificuldades em um trabalho que levava a cabo em sua Agência e, aproveitando sua vinda a Salvador para visitar seus familiares, queria aproveitar para conversar com o colega Soriano, experiente que se dizia ser no assunto que a ela angustiava.
Beatriz expôs para João Soriano todo o problema que lhe afligia e consultou-lhe da possibilidade de se encontrarem no final do expediente para trocarem idéias sobre o assunto, pois a mesma chegaria a Salvador por volta das 16 horas.
Soriano ponderou que melhor seria que ela fosse para casa e que a pegaria às 20 horas, poderiam ir jantar, ou ir a algum barzinho, beberiam, comeriam alguma coisa, e por certo resolveriam o assunto.
Beatriz até que relutou. Não poderia despender tanto tempo fora de casa, viera, em verdade para visitar a família a quem não via desde que fora transferida há quase seis meses, mas Soriano insistiu, insistiu muito, contou-lhe do desejo de também usufruir de sua simpática companhia da qual sentia muita falta e aditou que, afinal de contas, ela ainda teria todo o sábado e metade do domingo para curtir a família.
Ante tantos rasgos de simpatia Beatriz acabou por concordar que João Soriano a apanhasse em casa às 20 horas, tomariam um chopinho de leve, comeriam um tira gosto e conversariam sobre o trabalho. Ficou acertado de que iriam a um bar tranqüilo, sem muito barulho, para que pudessem conversar.
Assim é que durante todo o dia Soriano, que na verdade não era de muito trabalho mesmo, não pensou em outra coisa. Conseguira! Em fim, conseguira um encontro às sós com Bea, desta vez ela não escaparia. Passou todo o dia conjecturando como deveria ser esta inesperada noite.
João Soriano em que pese ser um paquerador nato, e curtidor da vida noturna, não era acostumado com bebidas alcoólicas em excesso, e nesta noite especialmente, para concretizar seu plano ardiloso deveria estar preparado para beber um pouco mais.
Saiu do trabalho logo às 12 horas, passou no shopping e comprou uma camisa nova, bonita, todos concordarem em sua casa, um quadriculado muito bonito com grandes quadros brancos, pretos e cinza contrastando com linhas vermelhas e verdes que cortavam estes quadros em sua base.
Tomou banho cantarolando, tanta era a alegria que lhe invadia o peito, refez a barba que já havia feito pela manhã, deveria estar o rosto bem macio para as ternas carícias de Bea, vestiu-se cuidadosamente e por fim encharcou-se do perfume Polo, importado, que ganhara de uma namorada que viajara recentemente para fora do país.
Quando olhou para o relógio já eram 19:30 horas, pegou o carro e dirigiu-se para a casa de Beatriz, chegaria a tempo, pois era perto da sua casa, antes, porém, passaria na farmácia, por via das dúvidas compraria ENGOV, quem sabe a noite poderia ser longa e Bea poderia ser dura na queda. Nos braços de Bea ficaria até o nascer do sol. Também comprou rosas vermelhas na floricultura vizinha a sua casa, nenhuma mulher resiste a rosas vermelhas e a um bom vinho tinto, pensou.
Beatriz, como sempre, estava muito sedutora, vestia calça jeans azul e uma blusa branca. A blusa folgada permitia que se vislumbrasse uma mostra dos seios sedutoramente descobertos e o umbigo, feito a mão.
João Soriano entregou-lhe as rosas e beijou-lhe no rosto. Beatriz corou, não esperava aquela recepção tão amável, afinal, para ela, era um encontro de trabalho.
Dirigiram-se então ao tradicional restaurante Barra Vento, localizado na Av. Oceânica, no bairro da Barra, bem juntinho ao mar.
Escolheram uma mesa debruçada para o mar, pediram água de inicio, e assim passaram uns 45 minutos discutindo o assunto profissional de que Beatriz estava com dúvidas. Após este tempo, um sorriso descontraído mas não tanto feliz brotou dos lábios de Beatriz, seu rosto parecia esconder alguma decepção.
De fato Soriano não era aquele profissional que Beatriz esperava. Talvez de tanto o mesmo elogiar-se, passou para ela essa certeza de que era ele um profissional competente. Na verdade, ele era um auditorzinho de despesas, que apenas procurava nos livros contábeis aquelas pequenas despesas que segundo a legislação do imposto não poderiam ser dedutíveis da base de cálculo. O raciocínio, provavelmente, ele guardava para gerir os restaurantes da família.
Em que pese o discreto descontentamento de Beatriz, de imediato Soriano pediu uma garrafa de vinho tinto espanhol, da região de Rioja, de onde são procedentes os melhores vinhos espanhóis.
Para comer pediram camarão de moqueca, e a conversa franca logo deu vazão à primeira garrafa de vinho. Beatriz embora não estivesse satisfeita com o resultado do trabalho, embora continuasse dominada pela dúvida na mesma intensidade, não estragaria a sua noite, afinal era um bom colega e lhe demonstrava muita atenção. Logo foi providenciada outra do mesmo tipo e procedência.
Ao final do jantar João Soriano já tentava acariciar, levemente, as mãos de Beatriz, e esta, por vezes permitia às vezes não, o que não dava a Soriano a certeza de estar sendo aceito. O álcool ainda não havia sortido efeito em Beatriz, pensou Soriano. Pediu outra garrafa de vinho, do mesmo anterior. O garçom voltou muito pesaroso para cientificar-lhe que só tinha aquelas duas garrafas de vinho importado.
- Absurdo! Reagiu Soriano. - Aqui em Salvador nunca se encontra pelo menos três garrafas do mesmo vinho. Parecem que compram pequeníssima quantidade! Também com esse povo tão miserável...
Resolveram então beber chope. Depois de dois chopes a conta foi pedida e eles combinaram ir dançar, elegeram o famoso bar Veleiro na praia de Patamares, e para lá seguiram, já levantaram de mãos dadas.
Sentaram-se no Veleiro e logo Soriano pediu uma cerveja bem gelada, Bea já está quase no ponto, pensou.
A esta altura dos acontecimentos já estavam bem à vontade, beijinhos nos lábios e outras carícias típicas de um início de relacionamento.
Na metade da cerveja Soriano sentiu que não estava muito bem, a cerveja não descera bem, logo providenciou tomar o ENGOV que havia comprado. Aproveitou uma saída de Beatriz ao toalete e, distraidamente, abriu o envelope e engoliu logo dois comprimidos, teria que ficar bem, uma oportunidade dessas não aparece todos os dias.
A noite estava divertidíssima, um vento agradável circulava constantemente pelo local. Astral maravilhoso. Dançaram soltos e de preferência agarrados.
Por volta das três horas Beatriz o convidou para irem embora, Soriano contestou que estava cedo, porém logo cedeu ao pedido. Poderiam ir para o carro e convencê-la a ir para um motel, quem sabe toparia. Raciocinou feliz.
Insinuações neste sentido foram lançadas desde que acabaram de pagar a conta, mas Beatriz sempre o lembrando da necessidade de ir para casa, teria que estar bem para conviver com a família no dia seguinte. - Quem sabe outro dia? Esquivou-se sutilmente com a falsa promessa.
Ao ouvir tão bela promessa Soriano achou que ainda tinha chances naquele mesmo dia, poderia convencê-la. Sem nada combinar dirigiu-se para um motel nas proximidades, entrou sob as veementes reclamações da parceira que de fato já estava bastante irritada e ameaçava saltar do carro e retornar para casa sozinha.
Foi aí que a noite que tinha tudo para ser totalmente bela tornou-se uma grande tragédia. João Soriano começou a sentir dores abdominais, uma vontade incrível de defecar, prendia, melhorava um pouco e logo em seguida vinha novamente a dor com maior intensidade, maior pressão, suava frio, já estava arrependido, mas não podia sair, havia dois carros em sua frente aguardando vagar um apartamento no motel.
Beatriz não sabia o que fazer, entre irritada, constrangida e agora penalizada com a situação de Soriano.
Logo saiu o primeiro carro e cerca de dez minutos depois o segundo. Mas já era tarde, não deu para esperar sua vez, a dor de barriga veio agora com toda a força e definitivamente o nosso conquistador foi atropelado, por uma enxurrada de merda tripas abaixo. Em outras palavras, cagou-se todo.
O fedor de merda misturado com o cheiro, ainda vivo, do perfume POLO, causava um terrível mal estar para ele próprio, que completamente envergonhado implorou a Beatriz que pegasse um taxi para ir para casa, ele não teria condições física nem psicológicas para tanto. Tinha vontade de morrer. Que papelão. Pensou.
Beatriz totalmente constrangida foi ajudada pela portaria do motel que providenciou um taxi rapidinho, e nosso herói foi-se desolado para casa.
Em lá chegando, aproveitou que todos estavam dormindo, foi ao banheiro e fez a devida limpeza que merece casos como este. Apenas a camisa ainda prestava para vestir, o resto enrolaria para jogar no lixo imediatamente, ninguém poderia ter conhecimento deste fato.
Foi aí que revistando o bolso da bela camisa encontrou ainda dois restantes comprimidos de ENGOV, olhou atentamente para o envelope e não acreditou, não era ENGOV e sim LACTOPURGA.
Miserável balconista da farmácia, ainda lhe pagaria com juros e correção monetária.
Luís Lisbello
Enviado por Luís Lisbello em 05/01/2018
Código do texto: T6217872
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.