Uma Visita Inesperada

Bateu a última porteira. Os cães latiram. Jeronimo ouviu resfolegado de cavalo e batidas de botas contra as pedras. Foi verificar: "quanto tempo, pratão?" - frente a frente, olhos nos olhos, disse em seu linguajar comezinho e direto.

- Como estão, todos bem? A comadre estava estudando, concluiu o curso e já é doutora? - com olhos ressabiados de doutor citadino, respondeu/perguntado. Pelo tom de voz, aparentava ar de seriedade e poucas palavras a serem proferidas.

- Cumpade, cê nem imagina pratão, que nossa cadela Campeira, aquela boa de faro, está fazendo curso à distância. Ela, minha muié, pega os caderno, os lápis de cor e atira com a espingarda bacamarte nas letras e Campeira corre léguas, dispara na capoeira para pegar os diproma. As duas se formarum, sim! E os paió da riqueza, cada vez mais entupido de oro?

- Pois sobre mim, no início, meus bens eram trevas, com o decorrer dos acontecimentos, luz. O suficiente para mandar a mulher três vezes para o exterior. Estudar os filhos nas melhores faculdades do país e fazer doutorado e pós doctor no exterior. Em breve assumirão o Poder. Vai ficar sabendo o estrago que farão na província. Chegar de ser dominado pela corrupção, vamos desmontar essa camarilha...

- Verdade? Ô grora! Carma cumpade, coração é que nem coadô cheio de borra de café: se num trata e lavá bem, usa uma vez só. Aqui nesse meio lote, faltando parafusos nos bois, o ford velho berra na ladeira e meus fios e a muié esbravejam pelo chulé em pés cascudos e malamados. E política, cumpade, tem se metido, nessa porcaria?

- Em tudo fracasso e nada posso naquele que me enfraquece. Não tens acompanhado, Temer golpeou o país. O salafrário entrou pelas portas do fundo, aprontou as dele na cozinha e agora quer sair pela porta da frente. Esse é outra raposa velha do Poder...

- Não, num tenho visto o Dantena por aqui, num sinhô. E à igreja; ainda vai todo dumingo?

- Deus e a crença na sorte é o que me faltam para compreender o porquê obtenho êxito em tudo.

- Fala difici, né? E a família, cumpade, como vai?

- Os pequenos goles de champanhe tomados à luz de velas hoje, é a fatura que virá daqui a 15 anos. Afinal, uma noite mal dormida é enxaqueca brava para o resto da vida.

- Num entendi nada, mas é isso. Encerrado o diálogo, cumpade! Vamos tomá o cafezinho passado no saco.

- Coisa boa! Não esqueço dele, acompanhado de pão de queijo, broa de milho, manteiga de garrafa e biscoito de goma. Essas coisas de gente da terra, na cidade não tem.

- Pro cê vê, a muié estudô, mas já sabia temperar a comida e fazê café bem antes. Sérgio Rei disse que panela veia faz comida boa, e faz mesmo! Na hora que entrá, o cumpade vai vê, está prenha. Se nun for para ir para o Poder, junta dinhero, estudá pra burro e morre miserávi, é bobage.

- Ainda prefiro filosofar sobre o presente.

- A muié tá chamano. Na cozinha, puxe a cadeira e sente no calcanhar. E po favô, sem essa estora de fisolofia. Num vai prostituí a cabeça dos meus fio.

- Saúde para todos nós, compadre!

- E pru rebento, nada?

- Desculpe-me; esqueci do mais novo ser que habitará o negrume das trevas dessa grota; sob a qual, morrerão entalados!

Ao ouvir bater a segunda porteira, resmungou: "esses rico, muié, além de num aprendê nadica de nada com a gente, vem dentro da casa do pobre, para mode nos humilhá até nas falas!

- Deus seja louvado, omi! Dexa ele com os paió de oro dele e nóis, com o que é nosso: um pedaço de terra, para nóis lavrá, felicidade toda hora e o nariz, catarrá. Vai morrê todo mundo, Jeromi; até o bicho cheio de preguiça do mato, omi de Deus!

Sorriram. E ao enlaçar Benvina pela cintura, apreciando aquele barrigão que a cegonha encomendou, respondeu: "num sabe que cê que tá certa, muié!? Deus traga o bichin pra o acalento de nossa cama com saúde. Tô doidin para vê o focinhozinho dele!

- Omi, é carinha que fala; focinho é de bicho.

- Obrigadu pela aula minha muié. Quem foi a escola, sabe as coisa amá, mas certo é, nun sabe fala. Oia até rimo!

Gargalhando alto, os dois desgrudaram um do outro e voltaram para a lida diária; que pelos indícios oriundos da quentura do sol, não demoraria descambar para a fresca do vento, para mais tarde, embriagar-se com o alcoolismo sonolento da noite. É regra na casa de matuto abastado pela felicidade, dormirem cedo com as galinhas, para despertar com o canto dos galos.

- Boa noite, caro amigo vento, chegou a hora, vamos nos recolher! Entrego ao vosso soprar, o que não nos pertence; por favor, tome conta. Paz, amor, harmonia, repouso, saúde, trabalho e respeito é tudo que nos destes durante o dia e o que queremos e almejamos, em mais essa noite. Se fizerdes isso por nós, muito lhe agradecemos mãe Natureza!

Essa é a oração ensinada pelo patrão e rezada todos os dias antes que o álcool suba-lhes à cabeça. Para eles, Deus é representado pelo vento, lua, sol, água, fogo, aurora e demais elementos da Natureza.

Ao deitar e ao levantar, a Natureza sopra-lhes as boas novas da temperança nas faces róseas.

Mutável Gambiarreiro
Enviado por Mutável Gambiarreiro em 10/03/2018
Reeditado em 10/03/2018
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