O que é a arte?

Tem potes de tinta espalhados por todo o lugar, pincéis, alguns jogados no chão, outros guardados em um pote junto com espátulas e um disco de cores que usei uma única vez. O chão tem manchas de tinta, derrubei um pote depois de uma crise de raíva, às vezes isso acontece. Esse lugar está uma bagunça! Assim como minha vida.

Quase não tenho produzido algo que realmente valha à pena. Estou me sentindo um lixo, frustrado. Dediquei minha vida inteira a isso e agora estou aqui sentado no meio de um lugar que mais parece um depósito abandonado há décadas.

Meu casamento terminou aos pedaços, em meio a mentiras e decepções. Ela não era à mulher que imaginei me casar, mas me fazia bem, muito bem para ser sincero. Até que descobri a rede de mentiras que havia entre nós. Os amigos que tinha já não estão mais ao meu lado, a maioria me abandonou depois que me tornei um amontoado de fracasso. Sou um porco miserável, que não tem capacidade de arrumar o próprio ateliê. Aonde foi que eu errei?

Me levanto e pego um pincel a caminho da tela, desenho alguns traços e mais nada. Encaro aqueles rabiscos sem forma, sinto raíva. Dou um tapa na tela, que despenca com um baque contra o chão. A inspiração parece ter se escondido de mim. Ela fez um bom trabalho porque não a encontro em lugar algum. Me jogo para trás, o pincel rola da minha mão, encaro aquele teto metálico. Meus pensamentos estão vazios.

Será que há beleza na sujeira? E quando falo em beleza não me refiro apenas à estética, mas o que se pode tirar dela. Me levanto e pego outra tela. Tive uma ideia, mas não consigo desenvolvê-la. Será que sou um artista em decadência? Será que minha carreira chegou ao fim? Encaro aquela tela sem nada a dizer. Mas afinal o que é o nada? Eu me sinto um nada, talvez eu seja o nada. Associações pipocam na minha cabeça, no entanto já não me sinto mais a altura de passá-la para a tela.

Mas que escolha eu tenho? Ou faço ou aceito a condição que estou e não trabalhei por tantos anos para acabar assim. Aproximo o pincel da tela, um pouco hesitante. Levou alguns minutos para os movimentos se tornarem fluidos, e aos poucos aquela tela branca foi ganhando cores e formas.

Me afastei depois de terminado, minhas mãos e braços estavam sujos de tinta, desconfiava que meu rosto também estivesse, e observei o que tinha acabado de fazer. Um rosto sem expressão parecia esticar um tecido nebuloso, sua boca estava aberta como se quisesse gritar, um grito mudo, calado. Era mais escuro na região da boca, como se o abismo surgisse dali. Aquele era o grito que eu desejava dar! Guardei o pincel e me sentei, encarando aquele rosto fantasmagórico.

Alice Moraes
Enviado por Alice Moraes em 20/03/2018
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