Encontrei-me

No verão de 1980, o mundo - ou, mais precisamente a Inglaterra - parecia perto de acabar, mas quando levei Agnes Hobson para tomar chá no Cafe Liberty, da tradicional loja de departamentos homônima na Regent Street, ela estava radiante de felicidade.

- Demorou 50 anos, mas me encontrei - confessou-me sorridente, enquanto aguardávamos nosso pedido ser servido. - Tive filhos, tive netos, e agora estou pronta, como queria ter estado desde os meus 20 anos!

- O importante não foi o tempo que levou, - ponderei - mas a sua decisão em buscar o próprio bem-estar, não o das pessoas que te cercam; para estas, você já deu 50 anos da sua vida. Agora é hora de ser um pouquinho egoísta, e pensar também em si mesma.

- Sim, eu estou feliz. Feliz por ter tido uma família maravilhosa, por ter tido um casamento que teve seus altos e baixos, mas que durou até a morte do meu marido... de quem sinto falta, mas que não deixava de ser um empecilho à minha busca de identidade... feliz por poder retomar a carreira de atriz, que abandonei ao me casar. Embora deva reconhecer que não tenho mais idade para fazer o papel da jovem protagonista...

- Os tempos mudaram, Agnes. Mulheres da sua idade podem ser igualmente protagonistas, apesar, ou justamente pelos cabelos brancos.

- No que está pensando exatamente?

- Já ouviu falar em "Harold and Maude", de Colin Higgins?

Agnes cobriu a mão com a boca.

- Você está pensando em encenar "Harold and Maude"... e eu seria... Maude?

- Acho que você ainda está muito nova e enxuta para viver uma senhora de 79 anos, mas... a maquiagem pode fazer milagres!

Agnes baixou a cabeça e começou a rir.

- [20-03-2018]