NOME E GRIFE

(uma homenagem a Stanislaw Ponte Preta)

Ao nascermos deveríamos ter como registro apenas um número, para depois de certa idade escolher livremente o próprio nome. Aquele que mais nos agradasse para evitarmos constrangimentos de apelidos ou das associações desnecessárias ou coincidentes. Observe que alcunhas na maioria das vezes são atribuídas por culpa dos pais, dos irmãos, dos tios e dos avós. O nome deixa de ser pronunciado corretamente para se vulgarizar já partindo do José, resumido ao simples Zé.

Existem ainda os apelidos apregoados de forma pejorativa e malicioso, aqueles associados às características das pessoas, são os que colam no indivíduo e podem perdurar por toda a vida constrangendo ou não o detentor, senão vejamos, Coruja, Esqueleto, Cara de Cavalo, Fuinha, Boca de Sapo, Queixada, Dentinho, Cabeção e assim por diante.

Podemos listar algumas derivações que nem sempre agradam a quem assim é chamado: Antonio vira Tonho, Benedito passa a ser Dito, Carlos resume para Cacá. Continuando, Eduardo passa a ser Dudu, Francisco é Chico, Sebastião simplesmente Tião, Samuel é Samuca, e assim por todo o alfabeto. Isso sem falar dos nomes compostos: Maria José é Mazé, João Carlos é Joca e José Carlos é o Zeca.

Na fase ginasial tínhamos um colega de sala que só acreditamos que era nome próprio por estar grafado na lista de presença, Dezenildo. Que dureza, não pudemos arrumar um apelido para o garoto que fosse pior que o nome de registro.Pensei que com o passar dos anos me habituaria a conhecer pessoas com nomes inusitados. Ledo engano.

Ontem me encontrei com o Juan, meu cunhado.

- Boa tarde cunhado, tem passado bem?

- Anestézio Mistelano.

- Não entendi – indaguei, e Juan me explicou que Anestézio Mistelano era o nome do eletricista que estava fazendo instalações em seu consultório. Para me convencer sobre o nome até mostrou um cartão de visitas com as palavras “A.M. Anestézio Mistelano – Eletricidade – Eletrônica – Corta Curtos – Corta Custos”.

- Rapaz acordei com o nome do cara na cabeça. Penetrou de tal maneira que não tem jeito de sair. Tá na ponta da língua e todas as vezes que encontro com alguém as primeiras palavras que saem da boca são “Anestézio Mistelano”, contava o meu cunhado. Ainda de manhã cruzei com a empregada e disse alto, “Anestézio Mistelano”, e fiquei surpreso quando ela respondeu: “Vou procurar e se encontrar eu separo para o senhor”. Ela pensou que eu estava perguntando sobre um livro que sumiu da estante.

- Vindo para o encontro esbarrei num senhor e de imediato falei “Anestézio Mistelano”.

- Siga em frente e dobre a primeira à direita, acreditando que eu procurasse por um endereço.

Juan é um grande gozador, percebeu que as pessoas não são sinceras quando não entendem o que perguntamos e, por má vontade ou por não se confessar um ignorante, logo nos dispensam para se livrar do assunto, mesmo para as coisas mais simples. Sacou da maleta um receituário, prescreveu em meu nome, “Anestézio Mistelano” duas vezes ao dia.

Entramos na farmácia e eu apresentei a receita ao balconista, esse entrou no sistema, procura, procura e nada.

- Está em falta, responde o balconista.

Saímos da farmácia e fomos ao hospital onde ele trabalha. Na recepção disse à menina atrás do balcão que tinha marcado uma reunião com o Doutor “Anestézio Mistelano”, e que o tal já o aguardava.

- Pode entrar doutor, ele está esperando - sem dar a mínima atenção.

Assim prosseguimos a nossa saga. Ninguém teve a capacidade de admitir não conhecer nenhum “Anestézio Mistelano”, ou que não sabia o que era “Anestézio Mistelano”.

Paramos numa cafeteria, pedimos dois cafés.

- Longo ou curto, com açúcar ou com adoçante, puro ou com leite? - Pergunta a atendente.

Juan me manda uma piscada e responde à mocinha do café:

- “Anestézio Mistelano”.

Ela para por alguns instantes, pensativa vai de um lado ao outro e se limita a responder - A máquina só faz expresso.

Entramos no shopping e fomos diretos a uma loja especializada em vestuário masculino. Geralmente os vendedores dessas lojas são educados, prestativos e entendidos do assunto. Olhamos vários ternos e costumes de inumeráveis marcas, Hermenegildo Zegna, Saint Laurent, Giorgio Armani, Calvin Klain, entre outras grifes famosas. Continuando a pesquisa, indago ao vendedor:

- Procurando pelo corte de “Anestézio Mistelano”.

O rapaz gentilmente solicitou que aguardássemos, volta minutos depois e sorrindo pediu para repetir qual era mesmo a marca: Com soberba, muito esnobe e enfático Juan responde: “Anestézio Mistelano”.

O vendedor voltou a sorrir e sem perder a pose: - ainda não recebemos, mas para a semana que vem acredito que deva chegar.

Saindo de lá comentei com Juan quem poderia ser mais autêntico, um nome dado à pessoa ou a pessoa que recebe um nome?

Samuel De Leonardo (Tute)
Enviado por Samuel De Leonardo (Tute) em 21/05/2018
Reeditado em 21/05/2018
Código do texto: T6342976
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