Mude tudo

Reencontrei Armando por acaso, quando desci na estação rodoviária de Colonia del Sacramento, pequena cidade portuária no oeste do Uruguai. Ele era o dono - e aparentemente o único funcionário - de uma diminuta agência de turismo que ocupava um dos estandes no térreo do edifício.

- Da última vez em que nos vimos, você era gerente de desenvolvimento da Digital Corp., em Montevideo - relembrei, quando ele me convidou para um mate em sua loja.

- E você estava de partida para a filial brasileira da Digital, em São Paulo - acrescentou ele, enchendo dois copos descartáveis pela metade com erva mate, completando com água quente e entregando-me uma "bombilla" descartável.

- Pois... eu fiquei lá cerca de um ano. Depois me transferi para a Venture Advanced, em Porto Alegre, onde estou até hoje, como programador. Soube que você havia saído da Digital há uns dois anos, mas ninguém soube me dizer para onde tinha ido... imaginei que estivesse em Miami, nesta altura dos acontecimentos.

Ele sorriu, enquanto sorvia um gole de mate.

- Se eu já achava Montevideo estressante, imagine então Miami... como pode ver, resolvi mudar tudo. Estou aqui, fazendo o que gosto, numa cidade pequena e tranquila, e que, além disso, ainda tem a vantagem de ficar perto de Buenos Aires - caso eu queira ir ver o lançamento de um filme ou assistir uma peça de teatro.

- Nunca fomos muito íntimos, mas você me parecia ter uma vida financeiramente compensadora em Montevideo. Naquela época, os bônus da Digital eram generosos...

- Sim, a sua percepção estava correta. Do ponto de vista financeiro, eu vivia bem. Mas, trabalhava 70 horas por semana e mal tinha tempo para conviver com minha mulher e filhos. De que adiantava ter dinheiro então? Foi quando eu comecei a pensar naquela célebre frase de entrevista de recrutamento...

Ergui as sobrancelhas.

- Como pesar um elefante sem balança?

Ele riu.

- Não, essa é do Google... estou falando daquela clássica, que a própria Digital usa... "onde você pretende estar em 10 anos"? Eu mesmo fiz essa pergunta muitas vezes, em entrevistas, mas chegou um determinado momento da minha vida, na fase em que trabalhava 70 horas por semana, em que me vi diante do espelho e a repeti para mim mesmo. E sabe qual foi a resposta?

Fiz que não com a cabeça.

- Me vi numa cidade pequena e tranquila, onde eu tivesse tempo para buscar as crianças no colégio e caminhar despreocupado ao longo do Rio da Prata... e não estou falando das "ramblas" de Montevideo.

- Está falando disso aqui... - comentei, algo desnecessariamente.

- Algo como isso aqui - concordou ele. - Oh, não foi uma decisão açodada. Eu estabeleci o prazo de um ano para colocá-la em prática, e conversei com minha mulher antes...

- E como ela reagiu?

- Ficou apreensiva, mas feliz. Ela é professora de inglês, então, de qualquer forma, tinha mais perspectivas de conseguir um emprego numa cidade pequena do que eu. Quanto a mim, fiz uma reserva de dinheiro que nos permitisse passar um tempo sem depender de outros ingressos. Vim até Colonia para conhecer melhor o local, decidi-me por alugar este estande, depois, finalmente me demiti da Digital, ela saiu do emprego no colégio, vendemos o apartamento em Montevideo, os dois carros, e viemos para cá...

- Foi uma decisão corajosa, - ponderei - embora o fato de você ter recursos para recomeçar sua vida do zero tenham facilitado a decisão.

- Não nego isso - acedeu ele, estendendo a garrafa térmica para colocar mais água quente no meu copo. - Mas o importante na minha decisão foi a insatisfação com a vida que eu levava. Se fosse somente pelo dinheiro, eu bem poderia estar até hoje na Digital... e, imagino, que você também.

- Sim, concordo - aquiesci, sorvendo um longo gole de mate. - Ou não estaria hoje em Porto Alegre, que é a capital brasileira mais próxima do Uruguai.

Ele colocou mais água no próprio copo e depois me perguntou, como fazia em seus dias de entrevista na Digital:

- E você? Onde pretende estar daqui à dez anos?

- [23-05-2018]