1048-AMIZADE VERDADEIRA

Caminhando pelo pomar da pequena chácara, os dois homens conversavam animadamente sobre semeaduras, plantios, podas e adubação, pois ambos eram amadores na horticultura que praticavam nas horas vagas.

Pedro, magro, baixo, descendente de italianos do sul, tinha cabelos pretos e nariz adunco, típicos dos calabreses.

Também filho de imigrantes italianos vindos do norte da península. Tony era um pouco mais alto que Pedro, encorpado, loiro, rosto oval e cheio,

Marceneiro e entalhador, Pedro ainda se recuperava de feio acidente na marcenaria onde trabalhava como empregado, quando sua mão direita fora quase que totalmente inutilizada, ao passar sobre as lâminas afiadíssimas de uma tupia, girando a muitas mil rotações por minuto.

Recuperava-se bem e trabalhava na sua oficina de fundo de quintal. Seis meses haviam se passado e algumas sequelas ainda restavam do acidente.

Trabalhava agora na confecção de centenas de quadros de madeira para instalar medidores domésticos de energia elétrica. Para trás ficaram os dias em que fazia apenas pequenos consertos em móveis antigos, devido à sua incapacidade de usar ferramentas com a mão direita.

Tony era formado em engenharia e gerente da empresa de força e luz da cidade, que fornecia energia elétrica para uma dúzia de cidades e vilas da região. Homem de visão foi um dos idealizadores da companhia que, como bom administrador, gerenciava com sucesso.

Talvez nunca se tornassem tão amigos não fora a insistência de Tony em dar preferência aos serviços de Pedro, que, quando lhe fora oferecido o servço, achou que não iria dar conta.

— Pedro, sei que você pode. Reservei este trabalho prá você.

— Bem, vamos experimentar com umas dez, quem sabe...?

— Que nada, Pedro. Você ataca logo o lote de 200. Assim, compra a madeira em melhores condições, faz um serviço em série, que demorará menos tempo.

Assim foi, e a partir de então, a amizade entre os dois estava firmada.

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Uma horta muito bem cuidada no imenso quintal de sua casa era o resultado de um trabalho além daquele da marcenaria. Às cinco da tarde, Pedro limpava a marcenaria e ia para a horta: irrigação dos canteiros, poda de folhas velhas dos tomateiros e capina das ervas daninha eram suas atividades até escurecer. A horta era bonita e produtiva. Tão produtiva que por ocasião da safra de tomates, o filho enchia uma pequena cesta e ia vendê-los no centro da cidade. Alface, almeirão, couve e chicória eram vendidas à porta de sua casa.

Seu grande orgulho, entretanto, eram as parreiras: oito caramanchões de uvas, espalhadas por diversos locais do quintal, que produziam no final do ano uvas para a família e para brindar os vizinhos com pratos de doces cachos, cobertos com toalhinhas de crochê que mais pareciam renda, habilidades de dona Maria, a esposa de Pedro.

Fornecera mudas para Tony, plantadas na chácara, que agora examinava com o amigo, alegre com a brotação forte, vicejante, das estacas de videira.

— Vi uma coisa interessante em Israel. Eles colhem uvas das mesmas videiras duas vezes ao ano. — Disse Tony, que havia chegado de uma viagem a Israel e trazia muitas novidades.

— Ué, como é que coseguem?

— Podam os parreirais duas vezes por ano: em fins de janeiro e no final de julho ou principio de agosto. O clima é quente, mesmo no inverno e a parreiras brotam em fevereiro. Com uma carga menor.

Pedro gostava de novidades, de experimentar, não só com relação aos móveis que fabricava de modo artesanal, como na sua horta. Desta forma, achou que poderia fazer o mesmo com suas parreiras.

— Vou experimentar, disse ao amigo Tony. Janeiro vem aí e vou poder pelo menos em uma parreira.

Assim fez. Para surpresa sua, a videira daquele caramanchão podado produziu uma safra abundante que amadureceu no mês de junho, com uvas muito doces. Em consequência houve farta distribuição de uvas aos vizinhos e amigos.

No ano seguinte, fez o mesmo com todas as parreiras, As videiras carregaram-se de cachos no outono. Chamou Tony para ver e ambos ficaram alegres de ver a safra.

— Ano que vem você poderá vender muita uva. Ou até fazer vinho.

E foi o que aconteceu, o que será uma história para a próxima safra.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 6 de abril de 2018.

Conto # 1048 da série INFINITAS HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 24/05/2018
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