Cenas do apartamento

- Alô, é do 712?

- Sim.

- Então, aqui é o seu vizinho do 613.

- Ah sim, pois não.

- Olha só, apareceu um gato aqui, é o seu?

- Um gato? Como ele é?

- É um begezinho...

- Não, o meu é...

- Branco, é branco! O pobrezinho tá todo sujo, por isso falei bege.

- O meu é malhado.

- Preto, amarelo e cinza?

- Isso.

- Pois olha, tá tão sujo que as listras pretas estão sumidas, o amarelo misturou com o cinza, sabe...

- Sei...Você é o Vladimir?

- Sou...por quê?

- Você é muito cara de pau!

- Eu? Como assim?

- Encheu a cara de novo?

- Como assim, moça? Eu só queria ir ai te entregar o gatinho.

- Você já me entregou uns quinze gatos nos últimos dias. Nenhum é o meu.

- Ah...

- Já te falei semana passada, não curto muito.

- Não curte o quê?

- Homens. Principalmente do seu tipo.

- Você é gay?

- Sou.

- Mas vem cá, você é aquela morena dos cabelos longos, pretos ultra brilhosos, gosta de usar um shortinho jeans, blusa de alcinha, sandália de tirinha amarrada nas pernas e batom extravagante super vermelho?

- Eu mesma.

- Ah, tá bom, então foi engano. Eu queria falar com a loirinha do 615.

- Ah tá, mas já vou lhe avisando, ela não gosta de gatos.

- Como você sabe?

- 615 é bem abaixo do meu apartamento. Já joguei uns doze gatos lá e ela nem liga...

- Saquei.

- Tenta a Ivone do 720.

- Ah não, muito velha, não vale o gato.

- Vladimir, você também é velho, deve ter a mesma idade dela.

- Porra, magoa não, tô maus nessa solidão, não precisa ficar falando essas coisas.

- Desculpe...Vamos tomar um chope? Também tô sozinha.

- Vamos.

- Me pega lá no saguão.

- Meia hora.

- Ok, mas já vou avisando, não vai rolar nada, só o chope...

Vladimir desliga o telefone. Suspira, ajeita os cabelos, coloca na cara um riso cínico:

- Nunca se sabe. Depois do quinto copo, todos os gatos são pardos...