EMBALOS DOS ANOS 80.

Éramos os sete bagunceiros do fundão, como dizia o bigodudo professor de geografia, Neriberto. Migramos para o fundo da sala de aula por afinidade. Ninguém suportava a voz fina da Nereide, menina chata de rabo de cavalo na lateral do cabelo. Anos 80. O professor mais legal era o Seu Armando, da Variant azul pois dava as provas de história com consulta ao livro. Oitava série do colégio Matarazzo, no Jardim Europa. Divisa de Santa Bárbara com Americana. Fazíamos tudo em Americana, mais perto. Eu pensava até que o bairro era daquela cidade. Eu, Paulinho, Goiaba, Waguinho, Salada, Zé Preto e o Baboo. Salada era o Roberto Carlos Eduardo da Silva. Auxiliava o pai na banca de verduras da feira. Daí o apelido. Era o mão de vaca da turma. Enchia a boca pra dizer que seu tio, Natal Cicolin, era gerente do Unibanco. Baboo era Edilson Feitosa da Silveira. Mais velho, achava que era nosso líder. Tinha resposta pra tudo. Era o sabichão. O irmão dele vendia tênis chinesinho, importado do Paraguai, na entrada da escola. Baboo era fanático por cinema, gibis e aviões. Falava que iria morar nos Estados Unidos. O apelido veio do gênio dos desenhos animados da televisão. Paulinho morava na parte do bairro sem asfalto. Ônibus não entrava lá. Quando chovia ele ia pra escola com sacolinhas de mercado nos pés. Não sujava os tênis Bamba. Chorou quando o Brasil perdeu da Itália na copa da Espanha. Rasgou o álbum e as figurinhas que vinham nos chicletes Ping Pong. Goiaba era o Vinícius de Abreu Coutinho. Foi roubar goiabas numa chácara do bairro Mollon e levou tiros de chumbinho nas nádegas. O apelido caiu bem. Waguinho era o Wagner Silva e Sanches. Auxiliava o pai numa oficina mecânica. Vivia dormindo em aula mas era inteligente. Passava cola pra nós. Gravava fitas K7 BASF com sucessos internacionais no micro system de seu irmão e as vendia na escola. Zé Preto era o José Aníbal Lins. Odiava seu nome. Jogava futebol de salão como poucos. Tinha o estranho hábito de cheirar as folhas de provas mimeografadas a álcool. Após quatro horas de pesquisa na biblioteca de Americana, era hora de passar o conteúdo das folhas de papel almaço para a máquina de escrever. Todos com o curso de datilografia do centro comunitário do bairro, fazíamos revezamento na máquina de escrever Olivetti. Baboo desenhava as capas com canetas hidrocor. O barato eram as canetas Kilométrica, os lápis com a tabuada impressa e a borracha de apagar tinta de caneta, que rasgava o caderno. Goiaba, um dia, foi pra escola com o rosto arranhado. Rasgara o pôster dos Menudos da irmã. Ela arranhava bem. Baboo levou o recorte do jornal O Liberal pra escola. -" Sábado estreará o novo filme do Arnold Schwarzenegger. Eu vou!!!" O cara sabia a sinopse do filme e tudo mais. Eu nunca tinha ido ao cinema. Já achava o máximo ver o Sítio do Pica-Pau Amarelo, na tevê. Trabalhando de servente de pedreiro juntei umas pratas. Combinamos de nos encontrar no ponto de ônibus do supermercado Davita. Busão da Ava, auto viação Americana, lotado. Paulinho de jaqueta amarela, cabelo Black Power. Baboo ostentava tênis Le Cheval. Parecia o Michael Jordan. Eu de Kichute, usava pra jogar bola e passear. Calça Baggy. Chegamos às seis da tarde. Sessão era às sete da noite. Show da banda Raiz Quadrada na praça Comendador Muller. O fim da fila para comprar ingressos era nas lojas Arapuã, no calçadão. Compramos drops, pipoca e refrigerante na cantina do cinema. Tudo caro. Nunca mais reclamei dos preços dos doces do carrinho do Seu Orlando, na porta da escola.Cartazes de filmes. Um corredor com piso carpetado. As cortinas vermelhas, pesadas. O cinema parecia uma grande caixa. Tela enorme, ia de uma parede a outra. Som estereofônico. Poltronas reclináveis com porta copos. Um luxo. Luzes de neon indicavam os sanitários. Lugares vazios. Me afundei na poltrona. -" Aqui têm 1.474 lugares. Em cima, no fundo, tem um piso superior, Vip. Aquele canto escuro é onde ficam os casais de namorados." Disse o gênio da turma. Eu olhava tudo, encantado. Música ambiente. O local encheu em minutos. Em cada rosto alegria de estar ali. No relógio Casio, azul de pulseira amarela, vi que faltavam dez minutos para iniciar o filme. As luzes se apagaram. O público fez uníssono Ohhhh!!! O lanterninha passava pedindo silêncio. Goiaba mudou de lugar com o Paulinho pois tinha um cabeçudo a sua frente. Propagandas de lojas...Black Rose, Boutique do Valdyr, Batagim supermercado, Radical Vest.... traillers de filmes. Silêncio total quando o filme começou. Pipoca de mão mão. Duas horas e meia de magia. Depois, comemos lanche na praça. Difícil escolher entre dezenas de carrinhos de lanches. Época de Natal. Mal se locomovia com tanta gente na praça, calçadão e lojas. Resolvemos ver a decoração natalina do Banespa. Linda. Pra casa a pé, ficamos uma hora vendo as luzes e decoração natalina das indústrias Nardini. Show. Parecia aqueles filmes natalinos da sessão da tarde. Dezenas de árvores com luzinhas nos galhos e troncos. Um presépio lindo, com imagens enormes. Fim das aulas. Passamos de ano. Outro dia vi o Seu Valter, aquele que vendia pães e roscas doces num carrinho azul, puxado por uma égua, pelos bairros. Ainda na ativa. Me fez lembrar dos anos 80... O caminhão pipa do departamento de água passava enchendo caixas e tambores. A dona Heleninha ainda entrega leite nas casas, com sua charrete. Havia bailinhos nas garagens... Bons tempos!!! Baboo foi estudar noa escola Heitor Penteado, Americana. Waguinho cursou o Senai. Formou-se torneiro mecânico. Eu e o Salada fomos estudar no Jardim Pérola, escola Alchester Andia. Paulinho trabalhava no salão de baile do bairro, o Star Clube. Facilitava nossa entrada. Luzes, o Miami, dance music, os passinhos de dança...era muito bom mas queríamos alçar vôos maiores. Passamos a frequentar os clubes Albatroz, Zebrão e Squalidus. Nesse último se reunia as turmas do São Roque e Parque Gramado. A volta se dava a pé. Ruas desertas, sem violência. Só os latidos de cães. O padeiro da padaria Prestígio era primo do Goiaba e nos dava pão quentinho. Baboo emprestou o Chevette do pai e combinamos de ir ao baile do Rio Branco. Waguinho, namorando a Drussila, não quis ir. Clube tradicional. Chique. Centro de Americana. O possante morreu em frente a praça Rotary. Tranco. Paramos o carro a três quadras do salão. Calças UsTop, gel nos cabelos e camisetas do Rock n'Rio. Mal se andava lá dentro. Som alto de Erasure, Information Society e Pet Shop Boys. Moças com cabelos a la Cláudia Raia, Cher, Madonna ou viúva Porcina, de Roque Santeiro. Blusas com mangas morcego. Saias balonês. Jovens de agasalho esportivo. Parecia cenário do filme Flashdance. Misturamos vodca com Sukita. O som alto, a pista fervendo... O Goiaba veio até nós. -" Sujou. Vamos embora." Olhei e vi sete brutamontes vindo em nossa direção. Corremos pra saída. Gente caindo. A rua. Correria. . Corremos pro carro. Baboo acelerou. Pedras voavam. Contra mão. Avenida Brasil. Paramos no posto Shell. -" O que você aprontou, Goiaba????" Coitadinho, suava frio. -" Cantei uma gata. O noivo estava perto, Baboo!!!!" Nunca mais o Goiaba saiu com a turma. Foi convocado pelo exército. No restaurante do Zico, o Baboo cismou que conhecia uma moça na mesa ao lado. -" É a Dina, do Heitor!!! Dona!!!" Gritou. O cara se levantou e deu um abraço na coitada. -" Não conhece mais os amigos, Dina??? Sou o Baboo do Heitor..." A moça não sabia onde enfiar a cara. -" Sou Ana. Me confundiu." Envergonhada. -" Dina. Você casou???" Que mico. -"Tchau, Dina. Bom te ver." Os anos se passaram. Baboo se mudou para os Estados Unidos. Waguinho se formou no Senai. Zé Preto se tornou jogador profissional de futebol. Vi o Salada no dia da eleição do Collor. O cara tinha neto. Pode??? De vez em quando via ou outro nas quermesses da igreja São Sebastião, animadas pela catira da família Mira ou na lanchonete do Tião. Paulinho se tornou coordenador do grupo de jovens da igreja, a Juréia. Estamos todos cinquentões.Vejo um ou outro colega de escola no mercado Pague Menos, na padaria Barcelona, na farmácia do Dito ou em algum velório. É a vida. Um ou outro está lá no Facebook ou WhatsApp. Ficou a amizade. A saudade. O Cine Cacique fechou as portas emb2001, com o filme A Senha. Deixou saudade de uma época maravilhosa, os anos 80. ( FIM)

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 11/11/2018
Reeditado em 15/11/2018
Código do texto: T6500310
Classificação de conteúdo: seguro