Conto das terças-feiras – O chamamento

Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE, 20 de novembro de 2018.

Abigail nascera em uma comunidade mística localizada em Brasília. Seus avós e pais, oriundos do Nordeste brasileiro, foram morar na futura capital do Brasil, no ano de 1956, juntando-se à multidão de operários de vários pontos do Brasil, os candangos, atraídos para lá em busca de trabalho. Nesse caldeirão de cultura, a necessidade de se professar uma religião fez surgir uma comunidade mística onde se aplica, até hoje, um dos maiores exemplos do sincretismo religioso brasileiro. Nessa amálgama de cultos ou doutrinas religiosas, razoavelmente equilibradas, mas díspares, com visões do mundo ou doutrinas filosóficas distintas, convivem adeptos de rituais místicos afro-brasileiros, incas, egípcios e astecas.

Entre esses adeptos encontra-se a jovem Abigail, 25 anos que, em um sonho revelação, recebeu a visita de um mestre espiritual tolteca, que tinha como filosofia de vida a crença incondicional no ser humano e na sua palavra. Dizendo-se ter vivido na cidade de Teotihuacán, no México, o mestre espiritual faz um convite inusitado à jovem brasiliense:

— Menina Abigail, você precisa conhecer as pirâmides de minha cidade. É uma das maravilhas do mundo e abrigou, por algum tempo, o meu povo.

Abigail se mexeu na cama, mas não acordou. Respirava profundamente e tinha um semblante sereno, às vezes sorria. Parecia que voava. Sua irmã acordou e, intrigada pelo respirar ofegante da outra, ficou observando o seu sono, que via ser agitado. Nesses casos ela fazia algum movimento para Abigail acordar, mas, dessa vez era diferente, a irmã estava gostando do sonho. Constatado isso, Marlene voltou a dormir.

Pela manhã, as duas, já na mesa do desjejum, falavam sobre o incrível sonho de Abigail.

— Você não acredita, mana! Tive um sonho tão real e maravilhoso que espero se torne realidade. Um convite para ir ao México. Pelas mãos de meu visitante noturno, passeei pela cidade onde ele morou há vários séculos e vi coisas fantásticas.

— Foi só um sonho. Vamos, se apresse, você tem que ir ao templo.

— Não, foi real, foi espiritual, eu peguei na mão dele, eu o senti. Ele pediu para eu ir à Teotihuacán e lá eu o encontraria. Ele sabe o meu nome, sabe de minhas atividades no templo, e outras coisas mais.

— Tire isso da cabeça, você não tem como ir ao México, não tem dinheiro.

— Vou jogar na loteria, quem sabe ele não me ajuda.

No outro dia, Abigail ficou sabendo que havia acertado os números do prêmio principal de uma loteria local, que lhe rendeu mais que o suficiente para a viagem tão desejada. Retirou o passaporte, comprou alguns dólares, marcou a viagem para dois dias após. Foi sozinha, com a cara e a coragem, pois nunca tinha viajado de avião, muito menos para outro país.

Ao chegar à Cidade do México, no hotel em que se hospedara solicitou informações sobre viagem ao sítio arqueológico do município de San Juan Teotihuacán. De posse das informações foi para uma agência de turismo e poucas horas depois, estava ultrapassando o portal do lugar onde o “Homem se torna Deus”. A grandiosidade do local não a assustou, ela já o conhecia de sonhos, repetidos até à chegada ao México. O mestre lhe havia passado todas as coordenadas, local de encontro, como estaria vestido, aspecto físico etc. Alertou que não falasse para ninguém sobre os sonhos seguintes, para não somarem energias negativas sobre ela.

A principal recomendação foi que ela deveria visitar primeiro a Pirâmide da Lua, para descarregar as energias negativas trazidas. Depois subir à Pirâmide do Sol, para revigorar as energias positivas. Lá no topo ele estaria à sua espera.

Assim Abigail procedeu. Resfolegando, ela chegou ao topo da Pirâmide onde o mestre estaria a espera-la. Olhou para um lado, para o outro e nada de qualquer pessoa cuja descrição lhe fora passada. Havia muita gente no local, sendo difícil distinguir alguém naquele cenário. Sentou-se e ficou apreciando a amplidão da paisagem ao seu redor. A tarde já estava se recolhendo, poucos raios de sol teimavam permanecer embelezando o local. De repente, alguém tocou em seu ombro. Seu corpo tremeu, tomou um choque. Levantou a cabeça e vislumbrou, entre os raios solares, aquela bela figura de seus sonhos. Não estava assustada, confiava nele, em seu alto grau de espiritualidade. Ele tomou a sua mão e a fez levantar. Ela percebeu que era uma figura minúscula e frágil naquele corpo de guerreiro.

— Como poderia aquilo ser verdade, ele não é de nossa época, ele viveu há muito tempo, pensava ela. Seu cérebro começava a ficar confuso.

— Não se preocupe, você também já viveu aqui, há séculos, você foi minha esposa em outra era. Fomos muito felizes e seremos novamente. Você foi mandada para o local de sua morada hoje, como aprendizado.

Aos poucos Abigail foi reconhecendo o lugar, não porque viu nos sonhos, mas por sentir a sensação de realmente já ter vivido ali. A Avenida dos Mortos, as Pirâmides, a Casa dos Sacerdotes, o palácio de Quetzalpapaloti, o palácio dos Jaguares, a estrutura dos Caracóis emplumados, o templo de Quetzalcóatl, a Cidadela e tudo o mais se abria em sua mente, ela estava feliz por recordar tudo. Lembrou-se que os nobres, e o mestre era um deles, eram canonizados como deuses e não morriam, mas despertavam de um sonho e convertiam-se em espíritos. Olhou mais uma vez para o esposo e viu brilhar uma aura, campo de energia que fazia brilhar todo o seu corpo. Agora ela sabia que estava pisando em um lugar santo.

Já era noite. Não havia mais ninguém naquele local, somente os dois. Ele a tomou nos braços, levou-a para uma abertura na Pirâmide Sol, que só ele conhecia, deram alguns passos à frente e a entrada se fechou. No outro dia, os jornais mexicanos noticiaram o desaparecimento de uma turista brasileira no sítio arqueológico do município de San Juan Teotihuacán. Ela nunca foi encontrada, apenas a irmã imaginava sobre o paradeiro de Abigail.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 20/11/2018
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