A vida de Daniela era tão apressada que quem assistia da janela sempre esboçava uma cara de admiração: como ela consegue? Acordava cedo, lavava as roupas, adiantava o almoço, preparava o material de apoio para as reuniões de assistência e com uma xícara de café na mão observava da porta entreaberta do quarto, o sono pesado de Pedro, seu grande amor. Era chegada a hora de viver a alegria de tê-lo sob o seu teto. Desde o seu nascimento, entre obrigações e sentimentos, era praticamente obrigada pelo destino de sua escolha, a deixá-lo sob a guarda de seus pais: -Filho amado, enfim somos nós! Estava tudo muito corrido. Morava sozinha no interior. Passou no concurso público e não conhecia sequer um único ser naquela cidade, mas a efetivação lhe dava a única garantia que queria: estabilidade para tomar para si a responsabilidade de maternar, outrora tomada pelas circunstâncias, mãe solteira? Não! Mãe não é estado civil. O filho foi matriculado no colégio religioso, era uma exigência da família tão católica que levou Pedro para batismo. Dani era robusta, fervorosa, alegre que só. Mas o coração era uma espécie de baú e lá de dentro sempre partia um segredo: um amor de infância, uma despedida, uma dor... Ela fazia quês de deixá-lo bem fechado, era por Chaves, ninguém se atrevia a entrar. Até que num deslize, um tropeço, ela caiu, de quatro: paixão agora aqui é mato! Mas menina apaixonada que era se via de noiva, véu e alianças no altar. Tudo em sua vida era sonho, e queria realizar. Mas como nem sempre a metade da laranja tem o mesmo sabor, as frustrações foram virando rotina. Era dia e noite uma discussão. Parecia que o casal havia pousado em planetas diferentes: água e terra, era muito complexo. Foram brigas e mais brigas, adaptação falha, autoestima baixa, angústia, mudança de local de trabalho, tristeza e sorte: de encontrar uma amiga. Agora Dani tinha Mel. E a desculpa para o encontro era um queijo padrão, a maior paixão de Mel. Foram muitos queijos que rechearam as noites das meninas, até que, tudo virou rotina e já não mais se encontravam. A desculpa do queijo nem mais fazia diferença. Eram tantos senãos que numa dessas a Mel, com senso de justiceira, resolveu tomar dores de Dani e passou a sentenciar aqueles que praticavam contra ela qualquer atitude. Dani ficava entre a cruz e a espada. Queria só desabafar. Até que, naquela última sexta-feira de janeiro, Dani ofereceu para Mel mais um queijo. Mel, atarefada que era não foi. No dia seguinte, Mel acordou triste, aperto no peito, telefone tocou:
- Mel, por favor, me ajude a Dani morreu, não vou aguentar.
Não tinha palavra, o silêncio foi o último suspiro e a ligação caiu.
E até hoje, inconclusiva a causa mortis, a vida segue na esperança de, em algum lugar, num dia desses ouvir: só mais um queijo padrão, por gentileza...
Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 24/02/2019
Reeditado em 16/05/2019
Código do texto: T6583257
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