CONTO DA SEXTA FEIRA SANTA
             Naquele tempo se respeitava as datas importantes do catolicismo, principalmente a quaresma e a semana santa. Na sexta-feira da paixão não se fazia nada, tudo em respeito ao flagelo de Jesus. Não se ouvia música, todo o serviço da casa ficava para os dias seguintes. As pessoas compravam provisões na quinta, porque na sexta o comercio fechava por completo. Era uma devoção intensa, e um dia particularmente triste.

            Seu Joaquim aborrecido com o pouco movimento da pensão avisou a mulher que iria dar uma volta. Saiu pelas avenidas do centro da cidade procurando um bar aberto. Não era propriamente um alcoólatra, pois embora bebesse muito, ainda mantinha um certo controle sobre o vício. Chegava em casa bêbado com frequência, mas sem nenhum desrespeito ou agressividade. Mantinha o nível. Depois de passar  por vários bares e restaurantes, todos fechados em respeito a data, avistou o India Bar, na avenida Araguaia com uma das portas abertas pela metade. O dono estava fazendo um inventário do estoque, para vender o estabelecimento. Entrando pela porta entreaberta, pediu uma cerveja. O homem argumentou que o bar estava fechado, mas em pouco tempo foi convencido e abriu a primeira. Tomando vagarosamente a bebida, seu Joaquim conversava com o homem, cotando estórias de sua vida, e coisas do cotidiano. Quando terminou pediu a segunda. Dessa vez o dono nem argumentou, estava gostando da conversa. Trouxe a cerveja e abriu. O "tizzzzz" da cerveja sendo aberta, provocou em seu Joaquim um efeito estranho, foi ampliando o volume ficou ecoando em sua cabeça. Sentiu-se meio atordoado encostou-se no balcão começou a pensar: "Não é possível, num dia santo tão importante as pessoas recolhidas em suas casas, rezando, jejuando. Eu aqui bebendo". Não tocou na segunda cerveja que já estava servida, pagou a conta e foi embora com a firme decisão: "Nunca mais bebo nada de álcool". Tinha naquela época quarenta e três nos de idade, até sua morte aos oitenta e nove, nunca mais bebeu uma gota de bebida alcoólica. Recusava até medicamentos que contivessem álcool em sua composição. Passou a considerar a sexta feira da paixão seu segundo aniversário, e todo o ano repetia a história para a família e amigos.

Nota: Seu Joaquim era meu Pai. Relato esse fato verídico nesta data , 19/04/2029 (sexta feira da Paixão), em sua memória, e do  maravilhoso ser humano que ele foi.
Al Primo
Enviado por Al Primo em 19/04/2019
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