O devido processo legal

Moussa Dièye recebeu com tranquilidade a notícia, trazida por um de seus assessores, de que tornara-se réu num processo movido pela França junto à Corte Internacional de Justiça, em Haia.

- Qual a acusação, desta vez? - Indagou o ex-presidente da República Democrática de Kajoor, há anos exilado na vizinha República Federativa de Kaabu.

- Crimes contra a humanidade, crimes de guerra, tortura, genocídio, violações graves da legislação humanitária internacional - enumerou constrangido o assessor.

- O pacote completo - riu Dièye. - Mas por que exatamente a França entrou nessa história? Quando eu era presidente, uma coisa de que as autoridades francesas não podem se queixar, é que não tenham sido favorecidas em acordos e tratados comerciais.

- Bem, senhor, - refletiu o assessor - os governos mudam. E com eles, o ponto de vista sobre política internacional.

- Ah, sim...eleições. Como poderia ter me esquecido? - Casquinou Dièye. - Imagino que também deve ter pesado o fato de eu ter sido deposto faz quase 10 anos e não poder mais influir em assinaturas de contratos...

- Não quero defender a nossa antiga metrópole colonial, senhor, - justificou o assessor - mas quem deu início ao processo que hoje está nas mãos da Corte de Haia, foram cidadãos franceses de ascendência kajooriana. O judiciário francês então encaminhou o caso para Haia, que provocou a Suprema Corte de Kaabu, demandando a sua extradição para ser julgado pelas acusações citadas.

- Faz sentido - avaliou Dièye. - Mesmo com todos os presidentes e diferentes correntes ideológicas que passaram pelo Palácio do Eliseu durante e após o meu tempo como governante de Kajoor, não daria para imaginar que tivesse partido do executivo francês uma ordem de investigação sobre mim. Afinal, corrupção tem dois lados, e eles não estão inocentes no nosso produtivo histórico comercial...

- De fato, senhor - acedeu o assessor. - E, na verdade, nem o governo de Kaabu demonstrou interesse em levar o caso adiante. Pediram que lhe avisasse que a resposta ao Tribunal Internacional será de que não podem extraditar um ex-chefe de estado por crimes supostamente cometidos no exercício de suas funções, e que o senhor goza de completa imunidade jurisdicional.

Dièye abriu um largo sorriso.

- Como diz o velho ditado... quem busca um amigo sem defeitos, ficará sem amigos!

- Todos nós somos humanos, e temos nossas falhas - replicou solenemente o assessor.

- [19-04-2019]