O influenciador

“Bom pessoal! Mais uma live aqui pra vocês acompanharem meu trabalho. Hoje falarei um pouco sobre como lidar com problemas de assédio entre os funcionários”.

Assim, o digital influencer que abordava assuntos do mundo corporativo iniciava mais uma transmissão. A rotina diária era necessária, dado que a concorrência era implacável e seus seguidores tão fiéis quanto uma garota de programa que diz amar cada cliente carente.

“Recebi um e-mail de um seguidor de São Paulo que diz sempre acompanhar nossas pautas e que questiona o que fazer quando presenciar um caso de assédio moral no ambiente de trabalho”.

Sabia que não era verdade: ninguém lhe enviou essa pergunta.

“Antes de tudo, quero agradecer à preferência!”

Chegava a acreditar nas próprias mentiras.

“Assunto complicado... Envolve temas legais e éticos!”

Éticos...

“O assédio é algo que devemos coibir tanto na nossa conduta quanto ao percebermos terceiros o praticando. A vítima muitas vezes teme o desemprego, e por isso se cala diante das humilhações...”

Abordava vários assuntos com entusiasmo, mas preferia a fama ao conhecimento. Lia superficialmente as matérias e compartilhava como se fosse um especialista. Não precisava ser um, bastava aparentar sê-lo.

“Bom dia, chefe!”

“Já terminou o relatório?”

“Não, mas garanto que hoje terminarei.”

“Você disse isso ontem e, em vez de focar em terminá-lo, prefere sair assim que termina o expediente. Quando eu era estagiário, não me permitiam esse comodismo! Essa nova geração quer tudo no seu tempo!”

“Mas eu tive que fazer minha prova... Eu avisei.”

“Você prefere seu emprego e dinheiro no final do mês ou um currículo que não serve de muita coisa? Você já não está empregado? Prioridades, Luciano, prioridades! Sem mais conversa, vamos terminar isso hoje”.

O dia do estagiário estava destruído mesmo antes de começar. Há muito considerava pedir demissão, pois não mais se via competente para resolver os problemas que sua empresa de cobranças exigia. Tinha medo do seu chefe, e seus colegas pouco se importavam em ajudar. Cada um por si.

“E se eu fizer outra faculdade? Recomeçar do zero... Não, não... Eu gosto da minha. Concurso? Não é minha praia...”

E assim toda a motivação se transformava em adrenalina que o paralis...

“Luciano?! Terminou? Tá com a cabeça onde? Faz quinze minutos que olha pra tela e não faz nada!”

“Eu estava...”

“Chega, a Ana vai fazer o relatório. Não posso contar com você pra nada!”

Sobrou para a Ana. Ela era aquele tipo de funcionário que sabe fazer tudo razoavelmente bem a ponto de nunca ser demitida, mas também a ponto de nunca ser promovida. Quantas pessoas mais jovens viu entrar ali, ganharem cargos e salários mais interessantes e depois saírem para empresas de maior renome e remuneração? Isso a chateava? Não, melhor... Nunca demonstrou. Seu chefe atual foi seu estagiário há dez anos! Orgulhava-se de ter ensinado muitas coisas, mesmo que delas ele não precise hoje.

“Tudo bem chefe, o menino deve estar com a cabeça cheia.”

“Cabeça cheia está a minha!”

Todos estavam de cabeças cheias.

“E se eu virar hippie?” – Luciano já arquitetava as piores soluções.

Ana esperava que qualquer um dos seus quatro filhos, todos já crescidos, ficassem ricos e a sustentassem. Mas o último que foi lhe visitar há quatro meses lhe pediu trezentos reais e nunca mais apareceu.

“Ah, os filhos crescem e esquecem.” - Mantia um sorriso inocente no rosto, acreditava que os filhos ainda eram crianças sem responsabilidades.

“Ana! Eu quero em 15 minutos!” – Gritou estridentemente seu chefe!

“Em meia hora termino, senhor! É que tive que rever uma cois...”

“15 minutos!”

Ana assim o fez. Ninguém cria quatro filhos sozinha e desaprende a resolver os problemas da vida. Ela era razoavelmente boa no que fazia. Não cresceu porque a personalidade a impedia de confiar em si mesma. Um pena para ela, uma oportunidade para os demais que do trabalho dela se aproveitavam para receber todos os méritos.

“Obrigado! Aprende como se faz, Luciano! Confio demais em vocês!”

Foi como bater de cinto em um criança e depois lhe dar um pirulito.

“Sr. Paulo, posso entrar?”

“Sim, claro. Trouxe o relatório que eu lhe peço faz um mês?”

“Sim. A-aqui está o relatório... Eh.. Quantitativo de clientes inadimplentes. Aqui... Hum... Quantita...”

“Que merda é essa, Cristian? Eu te pago sete mil por mês pra você me trazer um papel com números que eu vejo diariamente nos meus e-mails? Faz um mês que eu lhe peço esse relatório e você me traz isso?”

“Senhor, o relat...”

“Chega. Infelizmente terei que desligá-lo da empresa.”

“Mas, mas se...”

“Não prolonguemos isso, Cristian. A decisão já estava praticamente tomada, essa era a sua chance.”

Assim, Cristian voltou à sua sala. E anunciou seu desligamento.

“Reconheço todo esforço desta equipe de cinco competentes pessoas. Desejo-lhes sucesso, pois em cada um vejo grande potencial e qualidades. Acreditem em vocês e obrigado por tudo.”

Chegando em casa, ligou a câmera para mais uma live diária. Estava cansado, foi um dia estressante. Não sabia como encontrar ânimo para empolgar seus pueris fãs. Sem mais opções, iniciou:

“Bom pessoal! Mais uma live aqui pra vocês acompanharem meu trabalho! O tópico de hoje é um assunto delicado... A pergunta foi enviada por um fã do nosso trabalho lá do Acre. Olha só, que interessante estarmos alcançando o norte desse país! É um prazer poder contribuir com o sucesso profissional de várias pessoas norte a sul! Na carta, nosso leitor pergunta: Sr. Paulo, o que fazer para demitir de forma humana um funcionário competente que há alguns meses caiu drasticamente de produção?”.

Emanuel Barreto
Enviado por Emanuel Barreto em 20/04/2019
Reeditado em 20/04/2019
Código do texto: T6628455
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