Oportunidade única

Era manhã de uma quarta-feira em Manhattan, e Behrang Abidi tomava chá, sentado ao volante do seu táxi amarelo, aguardando passageiros, quando o celular tocou. Quem estava ligando, logo verificou, era Ozil Samma, do Banco de Crédito Mobiliário.

- Como estão as coisas, Abidi? - Indagou o financista.

- Trabalhando das cinco da manhã às cinco da tarde, de segunda a sábado - replicou Abidi, bebericando o chá.

- Esses caras da Azov Táxis sugam o sangue dos motoristas, hein? - Ponderou Samma.

- Enquanto imigrante, não tenho muitas alternativas - reconheceu Abidi. - Se meu inglês fosse melhor... como o seu, por exemplo... poderia conseguir alguma coisa em administração ou marketing. Mas estou fazendo turnos extras para juntar dinheiro e comprar meu medalhão de taxista.

- Pois é justamente por causa disso que estou ligando, Abidi - declarou Samma. - Conheço um sujeito, um judeu, que quer vender o medalhão. Ele trabalha por conta própria, e vai se aposentar.

Abidi apoiou o copo de papel no painel do carro.

- Mas o preço do medalhão está pela hora da morte... quanto ele está pedindo?

- Oitocentos mil dólares.

- Você sabe que eu não tenho essa quantia, Samma - retrucou Abidi.

- Claro, claro... se você tivesse 800 mil na conta, não estaria morando em Jérsei - gracejou Samma. - Mas, escute: eu posso lhe conseguir um empréstimo, para cobrir o valor pedido... basta que você me dê um sinal.

Abidi bebeu o restante do chá, antes de perguntar:

- Um sinal... de quanto?

- Quarenta mil dólares. Para hoje, até às 16 h.

- Quarenta mil... - avaliou Abidi. - Cinco por cento do total. Não sei... é muito dinheiro, ainda assim.

Samma não se deu por vencido.

- Pense com carinho na minha proposta. Eu vou preparar os formulários e deixo tudo pronto para imprimir, caso você resolva fechar negócio.

Um homem de terno cinza aproximou-se do táxi de Abidi e aguardou que ele desligasse o celular.

- Está livre? - Indagou.

- Sim, senhor - respondeu o taxista.

O homem abriu a porta de trás e aboletou-se do lado oposto ao motorista.

- Vamos para a Igreja da Trindade - informou o cliente.

Abidi registrou o destino no GPS e deu a partida no táxi, manobrando cuidadosamente para entrar no pesado trânsito matinal de Manhattan.

- Está bem congestionado para o lado da Broadway, senhor - comentou Abidi. - Talvez a gente leve mais de vinte minutos para chegar...

- Tudo bem - redarguiu o passageiro. E, num tom coloquial:

- Você não é daqui, não é?

Abidi deu uma olhada desconfiada para o passageiro pelo retrovisor.

- Sou paquistanês, senhor. Mas tenho Green Card, não estou ilegal...

O homem sorriu.

- Sossegue, não sou da Imigração. Mas, me diga: esse é um carro de frota, não é?

- Sim, senhor. Sou empregado da Azov Táxis.

- Como você se chama?

- Behrang Abidi, senhor.

- E já pensou em dirigir por conta própria, Abidi?

Foi a vez do taxista sorrir, reduzindo a velocidade em obediência a um semáforo vermelho mais à frente.

- O engraçado é que pouco antes do senhor chegar, eu estava falando com um conterrâneo, do Banco de Crédito Mobiliário. Ele me disse que poderia me conseguir um empréstimo para que eu comprasse um medalhão... uma licença de taxista.

- Pelo que tenho visto nos jornais, estes medalhões custam uma fortuna, correto?

- Sim, a valorização aumentou de modo absurdo nos últimos anos, senhor. Eu só poderei comprar se arranjar um empréstimo.

- Um empréstimo... e você tem condições de pagar as parcelas desse empréstimo, Abidi?

A observação deixou o taxista embatucado. Com uma entrada de 40 mil dólares, ele ficaria devendo 760 mil dólares ao banco. Quanto ele teria que faturar, por dia, para honrar o compromisso?

- Bem, senhor... sinceramente, eu não sei. Meu conterrâneo me disse que o procurasse hoje, que ele me explicaria tudo.

Entraram em Wall Street, tomando o rumo do cruzamento com a Broadway.

- Entendo - comentou o passageiro. - Mas quando eu lhe perguntei sobre dirigir por conta própria, não estava falando de uma licença de taxista. Você já ouviu falar em Uber?

- Uber, senhor? - Replicou Abidi perplexo. - Não, nunca ouvi falar. O que é isso?

- É um novo tipo de serviço - explicou o homem. - Começou há alguns anos em San Francisco, e este ano está chegando a Nova Iorque. Você usa o seu próprio automóvel para transportar passageiros.

- Como se fosse um táxi, senhor? - Questionou Abidi. - Isso é legal?

- É legal porque a Uber trabalha com um aplicativo de celular - prosseguiu o homem. - Você se cadastra numa central, e recebe chamadas de clientes pelo aplicativo. A Uber recebe uma porcentagem sobre cada corrida realizada, mas é bem menos do que você paga à Azov... e o restante do dinheiro é seu. Não precisa se endividar para comprar um medalhão.

Aquilo parecia bom demais para ser verdade, pensou Abidi. Parou o carro na esquina da Broadway.

- Chegamos, senhor.

O homem pagou a corrida com uma nota de 20 dólares, e ao receber o troco, estendeu um cartão de visitas para Abidi.

- Se resolver conhecer o aplicativo Uber, entre no site que está neste cartão.

Abidi agradeceu, e ficou alguns instantes observando o estranho, até que ele entrasse na Igreja da Trindade. Em seguida, colocou o cartão no bolso da jaqueta e engatou uma primeira, retornando ao fluxo de trânsito da Wall Street.

- [19-05-2019]