Conto das terças-feiras – Em busca da mãe biológica

Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 16 de julho de 2019.

Maria Lúcia fora deixada, ainda no primeiro dia de vida, na residência de um casal bastante jovem, morador na rua transversal à da mãe do bebê. Essa mãe, de parcas condições financeiras e desesperada por ter sido largada pelo companheiro ao saber da gravidez da namorada, procurava um lar decente para a sua filha, por saber da falta de condições para cria-la.

Ela, já há algum tempo, pesquisava com quem deixar a sua criança que nasceria em alguns dias. Para isso, arquitetou um plano para colocar sua filha na porta daqueles jovens que escolhera pelo comportamento de ambos, considerando-os dignos de receberem sua cria.

Maria Lúcia fora criada sabendo da sua condição de adotada e sempre teve curiosidade em saber de sua história, mas não o suficiente para buscar sua origem. Só sabia que sua mãe biológica já não morava no local onde ela nascera e o passar do tempo a fizera adormecer esse desejo. Vivia tranquila na casa dos pais adotivos, deles recebia carinho, amor e o seu sustento. Enquanto crescia recebia uma educação exemplar, gostava de estudar e sempre se esforçava para ser a primeira da classe. Era estimada pelos professores, colegas e amigas. Nada lhe faltava. Quem a criara não a proporcionara uma família com irmãos. Eram só ela e os pais adotantes.

De repente tudo mudou. Em desastre automobilístico o casal morreu, ficando só ela, aos 40 anos de idade. De imediato sobreveio a ideia de voltar a procurar pela família biológica. Voltou à rua em que nascera, conversou com antigos moradores, arrancando pouca coisa. Já desanimada alguém alertou que ela deveria obter informações na Igreja do bairro, pedir para ver os registros de batismos, casamentos e outros, que poderiam indicar alguma pista, já que ela tinha o nome completo de sua mãe verdadeira. Depois de quase dois meses pesquisando os originais mantidos no arquivo paroquial e nos arquivos da Diocese, Lúcia selecionou alguns indícios que facilitariam a sua busca. Quase uma centena de sobrenomes, Cavalcante Souza, sobrenomes comuns no Brasil, ela partiu para o confronto pessoal com os integrantes de uma lista de 25 nomes, considerados os mais prováveis pertencentes à família de sua mãe biológica.

Depois da 23ª entrevista, um brilho em seus olhos acendeu. Com quem ela estava conversando informou que a sua mãe tinha o mesmo nome que ela procurava, e a convidou para irem juntos à casa dela. Assim que a dona da casa pôs os olhos na moça, pressentiu que um milagre estava para acontecer, mas não mostrou nenhuma reação. As duas mulheres foram apresentadas, sem, contudo, darem pistas que as identificassem. O filho urdiu uma desculpa pela presença da moça ali e se afastou.

— O que é mesmo que lhe traz aqui? - perguntou a idosa senhora.

— Na verdade eu ainda não sei – respondeu a visitante sem dizer mais nada.

— Qual o seu nome? - perguntou a dona da casa.

— Maria Lúcia, minha mãe biológica se chamava, ou se chama ainda, se ela estiver viva, Cláudia Cavalcante Souza, completou trêmula a moça.

Percebendo que a dona da casa ficara bastante nervosa, Maria Lúcia procurou mudar de assunto, não queria assustá-la, temia causar forte emoção à sua interlocutora, pois pressentia ser ela a sua mãe, pela semelhança fisionômica e pelo nome.

— Olhando assim, você se parece muito comigo, quando eu tinha a sua idade. O interessante é que eu tenho o mesmo nome de sua mãe – enfatizou a dona Cláudia.

— É por isso que estou aqui, disse secamente Maria Lúcia.

— A senhora quando jovem, morou na Rua Sete de Setembro, no bairro Belo Jardim?

Antes de qualquer resposta as duas ficaram em silêncio, uma esperando a iniciativa da outra. Um turbilhão de emoções pairava no ar. A distância entre elas era curta, mas o tempo que ficaram separadas era desmedido. O medo também aflorava, seria tudo aquilo verdade? - ambas se perguntavam. E se não fosse, o que aconteceria depois? Uma forte rajada de vento, vindo da janela entreaberta da sala, cortou o ambiente trazendo a realidade às duas senhoras. Elas entreolharam-se e lágrimas começaram a molhar a face de ambas. Um forte abraço uniu mãe e filha que, pelas circunstâncias da vida, haviam se separado. E, como num passe de mágica, Maria Lúcia, que antes se achava sozinha no mundo, ganhou uma mãe, um padrasto, quatro irmãos, sobrinhos, cunhadas, cunhado e outros parentes. Naquela noite ela dormiria, e acordaria no dia seguinte, pela primeira vez, na situação de filha, irmã e tia.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 16/07/2019
Código do texto: T6697363
Classificação de conteúdo: seguro