Discussão no Café

Depois de fazer o seu jogo na loteria, num shopping pequeno do seu bairro, o homem foi tomar um cafezinho, sentou-se e enquanto tomava devagarinho o precioso líquido quentinho, divagava. Dizia aos seus botões que para ele a música e as artes em geral não possuíam fronteiras. Lembrava o que disse Tolstói: "Pinta a tua aldeia e serás universal".

Achava que não se podia julgar a art de um artista pela sua ideologia ou posições políticas individuais. Que o artista enquanto cidadão era outro departamento. E rindo, quem estava perto sem dúvida pensava que ele era um doido ou velho variando, lembrou de algo do seu passado. No tempo da ditadura não lia os romances de Josué Montello porque as publicações da esquerda diziam que esse autor era comensal da ditadura. Só fora ler Montello quando certa feita lendo uma entrevista de Dorival Caymmi, numa dssas publicações da esquerda, o baiano disse que o melhor romance que lera fora "Os Tambores de São Luís", de Josué Montello. Ora, entre Caymmi e as publicações ficava com o compositor. Comprou o romance e leu avidamente. Resultado: achou uma maravilha, uma obra-prima, que fora censurada pela esquerda.

Estava absorto com suas recordações quando, de repente, começou uma discussão numa mesa vizinha a dele. Estavam nela três pessoas, dois homens e a uma mulher, pessoas de idade entre 30 ou 40 anos. A coisa começara quando um sujeito perguntou aos dois amigos se eles sabiam se o novo romance de Chico Buarque de Holanda, "Essa Gente", já chegara às livrarias do Recife. Um dos homens ficou com raiva e mandou ver: - Como é que você lê os livros desse comunista safado? O outro ainda pediu calma. Mas a mulher ficou ofendida e afirmou: - Deixe de ser preconceituoso e fascista. Para que essa raiva eesa intolerância. Sabe o que é isso? É medo da arte. É como diz Chico Buarque: "Filha do medo, a raiva é mãe da covardia". O intolerante ainda quis voltar à carga mas quando viu que as pessoas estavam solidárias com a mulher desistiu. Mudaram de assunto.

O homem tomou outrocafezinho e rindo pisou no barro. Inté.

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 11/11/2019
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