A PERGUNTA*

"Que bosta, o celular bugou de novo. Vou fazer o que agora?" Suspirou aflito. "Será que a minha mãe nunca teve quatorze anos? Será que ela imagina o tédio que é ficar cuidando de velho?" Sabia que estava sendo maldoso, seu avô sempre fora muito legal. De um ano para cá com a doença é que ficara chato. Já não dizia coisa com coisa, vivia caindo e quebrando tudo. Era até engraçado vê-lo dizer igual criança: Não fui eu! Ou tentando sair de fininho quando fazia bobagem. "Como será chegar assim aos 84 anos? Se pensar é seis vezes a minha idade!"

Antes trocava altas ideias com o velho. Ele fora muito louco! A mãe dizia que até os dezessete anos dela ele aprontava um monte. Ele mesmo já lhe contara várias estórias cabeludas da sua infância e juventude. Ficou olhando para ele um tempão, sentado na cadeira, os olhos fixos na televisão onde passava um dos filmes antigos que ele amava:

-"Ô vô! Ô vô!

-"Que foi Gabriel?"

-"Queria fazer pro senhor uma pergunta importante. Cê tá bem prá responder?"

-"Pergunta e descobre."

-"Ah! O senhor tá bem! Só responde assim quando tá bem. É meu vô de novo! Vô... O que é que a gente tem que fazer na vida? Tipo, para não se arrepender depois, para ser como o senhor era até ficar doente."

-"Aí vareia netinho, aí vareia..."

-"Vai areia no quê vô? Já tá ruim de novo?

-" Tô não. Tô muito bom. A resposta para sua pergunta é uma outra pergunta, meu amadinho.

-"Que pergunta?

-"Se você quiser vencer na vida, a pergunta é: como eu quero ser visto? Viva sempre da forma como você quer ser visto pelos outros. Se você quiser vencer A vida, preste atenção, A vida, não na vida, a pergunta é: como eu quero ser visto por Deus? Viva segundo a resposta que tiver."

O neto ficou quieto, pasmado. Só se ouvia da TV a música tema de Doutor Jivago. Depois de uns três minutos assim o velho disse:

-"Gabriel, rápido! Rapído! Vai chamar sua vó! Ela adora essa cena!

Sua vó morrera antes dele nascer.