Eu não a amava

Eu não a amava, não.

Isso eu posso afirmar, eu não a amava.

De fato, meu único interesse nela era o sexo, nada mais do que isso e eu admito que por esse motivo, eu cheguei a dizer que a amava, mas eu não a amava, seria loucura da minha parte amar ela.

Ela vinha como se fosse minha por completo, mas eu não a queria por completo, eu só queria uma parte dela, só uma e nem que seja uma vez, eu não me lembro de querer tanto isso de alguém, como estou querendo dela, ela mexeu comigo de alguma maneira que nenhuma outra conseguiu fazer, mas eu não a amava, creio que qualquer pessoa que nos visse saberia que eu não a amava, mas, eu acho que não me preocupei se ela me amava, ou se ela sabia que eu não a amava.

Isso não deveria interferir em nada, absolutamente nada, quantas juras de amor vazia não circulam pela atmosfera que respiramos, eu mesmo escuto umas cinco juras de amor por dia, desde que eu entendi para quê isso funciona, Eu disse que a amava, mas eu não a amava, mas eu disse que a amava. Ela sorria sempre, a princípio ela não sorria muito, depois sorria um pouco mais, me deixou perceber as covinhas que ficavam em suas bochechas quando dá um sorriso largo, logo em seguida ela dava altas risadas, depois vieram os abraços e quase que por consequência vieram os beijos.

Ah! Os beijos daquela mulher, dava até vontade de dizer que eu a amava sempre que possível, mas eu não a amava, eu estava prestes a conseguir o que eu tanto queria, finalmente eu a levaria para a cama, seria simplesmente perfeito, de tanto dizer que a amava, ela faria sexo comigo da maneira mais apaixonada que alguém já tivera feito comigo em toda a minha vida. Eu disse que a amava, amava muito, amava demais, amava com todo o meu amor e eu pude sentir nela como resposta que os sorrisos, abraços e beijos, não eram mais o suficiente, precisava de mais e eu sorria carinhosamente.

Foi então, que como se todos os fogos de artifício de todos os países se juntassem para comemorar o ano novo, e para mim foi de certa forma, eu comemorei mais do que havia comemorado nas passagens de ano, a champagne estourando, foi a melhor noite da minha vida e eu creio que tenha sido satisfatório para ela também, foi incrível. Ao amanhecer, nos vestimos e fomos embora, no caminho para nossas casas, eu disse que gostava dela e ela sorriu largamente, eu até gostei do sorriso dela.

Após isso, eu usei os dias seguintes para dissolver o nosso relacionamento, para mim foi fácil, eu não a amava, não tinha nada que me prendesse ali, como se uma fita fosse rebobinada, com pouco tempo os beijos foram se tornando mais raros e depois disso os abraços e por fim os sorrisos, eu dizia que a amava cada vez menos, afinal de contas, eu não a amava. Em mais ou menos um mês e meio, tudo estava acabado, eu sumi da vida dela, quase posso dizer que apaguei todos os meus passos, estava tudo acabado enfim.

Pouco mais de um mês depois, eu vivia a minha vida e ainda a cada manhã, depois de ter sonhado com ela, eu repetia para mim mesmo que o sonho não fazia sentido, pois eu não a amava, como tudo estava acabado, deveria estar suficiente claro que eu não a amava, após esse exercício diário, eu fui conferir a caixa de correio com a correspondência de ontem e havia uma carta, não era nenhuma cobrança de nada, era uma carta de uma pessoa, era uma carta dela, ainda que eu não a amasse, eu fiquei levemente abalado com a carta.

A tal carta, datada de dois dias antes da data recebida era simplesmente uma carta de despedida, adoraria que fosse uma viajem, mudar de cidade, de estado, ou de país, ela sempre quis conhecer a Inglaterra, seria uma boa oportunidade, mas não, era uma carta de despedida da vida, ela havia cometido suicídio, considerando a data de quando ela escreveu, era muito óbvio concluir aquilo, ainda assim, eu corri para o apartamento dela, aproveitei que ainda tinha a chave que ela havia tirado uma cópia para mim, ela não quis de volta, disse que era uma lembrança dela, para mostrar o quanto ela ainda me amava, mas, eu não a amava, eu posso garantir. Assim que cheguei a porta do seu apartamento, eu entrei e logo ao abrir a porta, eu vejo ela com a cabeça enfiada no forno.

Ontem foi o enterro dela e prosseguindo o meu ritual matutino que tenho executado nos últimos dias, a única diferença é que agora acontecia depois de pesadelos, eu sempre digo que não a amava, eu tenho certeza que não a amava e sempre que acabo de dizer essas palavras, eu olho para a chave sobre a carta, sempre sublinhando onde ela disse, “Eu te amo.”

Henrique Sanvas
Enviado por Henrique Sanvas em 14/03/2020
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