Passada a praga, a vida segue...

Passada a praga, a vida segue…

Olhando agora para o passado, podemos verificar quanta influência trouxe o Influenza para a sociedade...

Muitas famílias sofreram com perdas irreparáveis com a morte de seus entes queridos.

Quem não morreu da doença pereceu de fome. Faltou de tudo naquelas paragens que sempre sofreu com a seca, a miséria e fome, esquecidos daqueles que dirigem a nação. Ficaram os fortes!

Assim descreveu Euclides da Cunha aqueles homens na sua obra “Os Sertões”:

"O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral.

A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela o contrário. Falta-lhe a plástica impecável, o desempeno, a estrutura corretíssima das organizações atléticas.

É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules-Quasímodo, reflete no aspecto a fealdade típica dos fracos. O andar sem firmeza, sem aprumo, quase gingante e sinuoso, aparenta a translação de membros desarticulados. Agrava-o a postura normalmente abatida, num manifestar de displicência que lhe dá um caráter de humildade deprimente. A pé, quando parado, recosta-se invariavelmente ao primeiro umbral ou parede que encontra; a cavalo, se sofreia o animal para trocar duas palavras com um conhecido, cai logo sobre um dos estribos, descansando sobre a espenda da sela. Caminhando, mesmo a passo rápido, não traça trajetória retilínea e firme. Avança celeremente, num bambolear característico, de que parecem ser o traço geométrico os meandros das trilhas sertanejas. (...)

É o homem permanentemente fatigado."

Até agora ninguém por essas bandas sabe direito o que foi aquilo. Acreditam que foi coisa do Cramunhão, do pestilento, do Cabra da Peste, o Bode-Véio e outros excomungados, já que “ninguém nunca viu o tal vírus”... O que salvou mesmo um pouco daquela gente foi na verdade aquele monte de procissões em louvor ao Padrinho Padre Cícero e as penitências a que se impuseram durante aqueles dois anos de maior sofrimento.

Alguns anos após a passagem dessa doença e imunizadas as pessoas muitos quiseram deixar registrados os seus assombros e, para os filhos que vieram logo em seguida, lhes colocaram nomes alusivos a esse período triste da história da humanidade. Assim sugiram os nomes femininos e masculinos diversos, como a seguir relatarei.

Pude verificar isso ao visitar aleatoriamente uma família nesses cantos sofridos do Brasil, para perguntar sobre os efeitos daqueles tempos terríveis deixados entre eles.

Sr. Severino da Silva havia perdido sua primeira esposa naquele tempo, e casou-se com a atual, a Dona Ambrosina, com a qual já tem 2 filhas, a Pandemia Josefa e a Maria Cloroquina, 6 e 7 anos respectivamente. Bonitas até as meninas, uma delas um pouco vesga, mas, já estão sofrendo algum tipo de bulling na escola, justamente por isso, e ficam um pouco avexadas quando são chamadas pelos dois nomes que carregam. Preferem só Maria ou Josefa, reclamando com o pai que fica chateado.

Já o seu vizinho, o Sr. Onireves, a quem perguntei se era um nome de origem grega ou coisa parecida, me explicou que simplesmente era Severino escrito ao contrário, para diferenciar de tantos outros daquelas paragens, inclusive seu vizinho. Coisas de seu falecido pai, Januário.

O normal em nossa cultura é que se lê e se escreve da esquerda para a direita, ao contrário de outras culturas como a árabe e a hebraica que escrevem da direita para a esquerda, ou ainda os chineses, que escrevem de cima para baixo. Mas essa escrita espelhada, ou “de trás para-frente” como se diz também, é um caso para se pensar...

Ele, depois daquele sofrimento todo, teve 4 filhos, também já com a 3ª. esposa. A primeira veio a falecer na primeira onda da moléstia e a 2ª. uns três meses depois do passamento da 1ª., também vítima daquela mesma peste, na sua 2ª. onda de contaminação. Essa 3ª. só aceitou casar, uns 4 meses após se certificar bem se o transmissor não era o próprio Sr. Onireves. Mas ele se dizia já imunizado.

Desse casório tiveram então os quatro filhos, para compensar os 2 casamentos anteriores sem nenhum, e os quatro tiveram também nomes para lembrar essa fase triste que havia então se abatido naquele sertão nos anos 2020 e 2021. O de 6 anos chama-se José Covirus, o de 5 anos tem por nome Pedro Corona. Já o 3º. Rebento desse simpático casal, recebeu o nome na pia batismal de João Covidi. Corona e Covirus são muito alegres e brincalhões e até falam em se bandear para o lado artístico e constituir uma dupla de cantadores, dessas que perambulam por lá com pandeiro e viola de cordas soltas fazendo repentes, com aquela voz característica de taquara rachada.

Esses cidadãos estão um pouco mais felizes e radiantes. Agora já tem até vacina, mas, ainda eles têm dúvidas de que realmente funcione. Dizem que na verdade quem toma pega de novo a maldita peste... Ou seja, as coisas não mudaram muito...

O pai, empolgado com minha visita e orgulhoso do talento da prole, logo chama os filhos para uma demonstração dos seus dotes artísticos:

- Covidinho, meu filho, chame teu irmão Coroninha para cantar uma modinha aqui pro moço!

Chame também Ambrosina e o seu Severino, o filho de Januário, nosso vizinho!

O menino estava brincando com outro garoto, de nome Alcogelson, filho de outro vizinho um pouco mais distante, umas 6 léguas dali. Quando o menino vinha ficava para pousar.

Os pais gostam de chamar os filhos no diminutivo. Isso enquanto criança. Chegará tempos que nem o nome se lembrará mais e sairá gritando: “Sai daqui Pai D’Égua, cabra safado pau d’agua, agora deu prá bebê cachaça! ”

O 4º. Filho, agora com 3 aninhos ainda, teve mais sorte, chama-se Ermogen Oinegue. Nesse o pai caprichou! Eu até entendi o segundo nome como Eugênio em escrita espelhada, mas o primeiro, depois de muita explicação pude entender tratar-se de Hermógenes.

Tentei explicar para o Sr. Severino, digo, Onireves, a origem do nome escolhido, demonstrando minha admiração pela escolha.

Para simplificar, e não precisar citar outros Hermógenes que também existiram na história da humanidade, e não cair no ambíguo, tomei o mais antigo, expliquei a ele o que segue:

Eu disse-lhe, em outras palavras naturalmente, que Hermógenes foi um filósofo que viveu nos séculos V e IV a.C. e era filho de Hipônico e irmão de Cálias III, pertencentes à abastada família Cálias.

É apresentado por Platão no seu diálogo "Cratylus" como um dos interlocutores, afirmando que todas as palavras de uma língua eram formadas por uma pacto de pessoas entre elas. Diógenes Laércio afirma que ele foi um dos professores de Platão. No entanto, é o único a fazê-lo e devido ao Cratylus apercebemo-nos de que Hermógenes não era um homem talentoso, conhecendo somente o básico dos elementos da filosofia. Apesar de pertencer à grande família de Cálias II, é mencionado por Xenofonte como sendo um homem com poucos bens, o que pode significar que era filho ilegítimo de Hipônico. Platão sugere que ele foi injustamente privado dos seus bens pelo seu irmão.

As duas frases a seguir são atribuídas a esse filósofo grego:

"Quem fica deitado pode não cair, mas não aprende a andar."

"O viajante nunca está só. Anda com ele o desejo de chegar."

Já ouvi também falar de outros significados, mas sem os devidos créditos, já usando a mitologia greco-romana, dizem que esse nome significa ser um descendente de Hércules. Indica uma pessoa atenciosa, que procura estar bem com todo mundo. Mas, por tentar resolver problemas alheios, às vezes se esquece das suas próprias obrigações.

Mas, depois de gastar tudo que eu sabia sobre a origem do nome, ainda que demonstrando muita modéstia e com muito jeito para não de me parecer um daqueles eruditos pedantes, mas só para acrescentar um pouco de conhecimento à família.

Ele ficou até orgulhoso e completou que, na verdade o nome fora uma escolha dele, e nunca tinha pensado nessas besteiras que falei, mas simplesmente porque esse era uma espécie de som onomatopaico de uma jeguinha que ele teve, e que gostava muito, boa puxadeira de cana para o engenho, e que assim zurrava: “Errrr-mó-ó-ó-ó-gen-gen-gen”, até meio diferente daquele “relincho” longo típico dos muares. E, como tinha um tio que também já morreu, que os parentes também chamavam algo assim parecido, aí ficou Ermogen, homenageando os dois animais: a jeguinha e o falecido tio, que era daqueles matutos brutos, bem xucro, acostumado na lida dura do canavial e do engenho rudimentar.

Me contou no pé-do-ouvido também que está esperando agora nascer uma menina, já que a mãe tá de novo barriguda. Vai se chamar Influenza...

Ouvindo toda essa história, decidi que minhas pesquisas deveriam se encerrar nisso, e aqui foram algumas das minhas curiosas observações, pensando comigo, que de fato, a pandemia daqueles tempos deixaram tudo, até a continuidade da cultura popular naqueles rincões ermos do meu Brasil.

Daquela avassaladora pandemia, entretidos todos naquela dura labuta cotidiana, poucos tinham na memória detalhes dos sofrimentos. Deixavam apenas para os dias de finados que se seguiram. E a vida seguiu seu rumo, como fora antes.

E, pensando cá com meus botões sobre os motivos da quantidade de vítimas que aquela doença causou, vendo aqueles cemitérios repletos de cruzes em vilarejo tão pequeno, me sinto triste e ciente do quanto ainda devemos fazer pelo povo dessa terra abençoada.

Marco Antonio Pereira

Insight 13/05/2020 – Escrevendo do futuro

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2030:

- Mãe, que ano eu nasci?

- Em 2020 .

- Por quê todo mundo ri quando o professor fala meu nome na chamada?

- Ah, sei lá Pandemilson! Vai fazer sua lição, vai!

MARCO ANTONIO PEREIRA
Enviado por MARCO ANTONIO PEREIRA em 14/05/2020
Reeditado em 02/06/2020
Código do texto: T6947010
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