MENINA DE MUANZA

No distrito de Muanza havia uma menina muito linda conhecida pelo nome de Maria. A sua beleza era admirável no meio das moças aldeãs daquela região. Ela era pobre, filha de pais camponeses que levavam a vida na incerteza do amanhã. Praticavam a agricultura de subsistência e com o pouco que colhiam em cada época dava para garantir a alimentação durante o ano.

Maria era uma menina tão obediente, tão respeitosa e tão inteligente. Frequentava a oitava classe numa das escolas secundárias do distrito e nos tempos livres ou aos fins-de-semana, ajudava os seus pais na machamba, cultivando milho.

A sua vida resumia-se em ir à escola e ajudar os pais na machamba. Tinha catorze anos de idade e diferentemente das garotas da zona, ela acatava os conselhos dos seus pais: não namorava com os rapazes, chegava sempre cedo à casa, estudava bastante e fazia todos os deveres de casa sem murmúrios. Ela era a menina que todo pai gostaria de ter.

A fama de ser uma menina decente com uma boa conduta espalhou-se pelo distrito e todos os homens queriam conhecê-la para tentarem a sua sorte no amor.

Com catorze anos, tratando-se de um distrito com costumes das mulheres casarem prematuramente, Maria já era considerada uma mulher preparada para ser casada. Por isso vieram muitos pretendentes de várias localidades, incluindo os da vila que queriam casá-la.

Foram várias as tentativas, mas a jovem foi extremamente resistente. Não aceitou ninguém e continuou firme nos seus estudos, embora com muito sacrifício porque estava mergulhada numa miséria terrível.

Mesmo sabendo que o lobolo da sua filha seria praticamente a salvação para fugirem nem que seja por um instante da pobreza em que se encontravam, madala Nhamphoca e mama Begonha, pais da Maria, sempre souberam entender a sua filha. Sabiam que a decisão de casar-se seria dela e não por sua obrigação. Embora analfabetos, queriam que a filha estudasse bastante e que no futuro trabalhasse e encontrasse o homem dos seus sonhos, que a pudesse fazer feliz para toda a vida.

Maria não tinha o pensamento fixo no casamento, como é o costume de muitas garotas da sua região, que se apressam a casar logo que atingem os seus catorze e quinze anos, muitas das vezes tentando escapar da pobreza extrema que as afecta. Deixam de estudar para contraírem matrimónio, na maior parte das vezes com pessoas muito mais velhas do que elas.

Em Muanza os casamentos prematuros são frequentes e Maria quis contrariar a tendência apostando seriamente nos estudos. Concluiu a oitava, nona e décima classes. Já não podia continuar a décima primeira classe em Muanza porque na altura não existia o nível médio no distrito. Para tal, teve que reunir condições e deslocar-se à capital provincial de Sofala, cidade da Beira para terminar os seus estudos na escola secundária Samora Moisés Machel.

Na cidade da Beira o ambiente já era outro, diferentemente do que vivia em Muanza. Muitos carros, gente fina e muita agitação. Nunca antes tinha visto uma praia, nunca tinha estudado numa escola tão grande e nunca tinha visto muitos carros a circularem pela cidade.

Inicialmente teve problemas de inserção no grupo de novos amigos que encontrou na escola, mas rapidamente conseguiu ambientar-se. Os passeios já eram frequentes. Depois das aulas iam à praia jogar voleibol, iam ao cinema assistir filmes e divertiam-se bastante, algo que em Muanza não acontecia porque depois das aulas tinha que ajudar os pais a cultivar milho na machamba.

Ela morava sozinha numa dependência de um quarto e uma sala, pagava mensalmente quinhentos meticais. Recebia mil e quinhentos meticais dos seus pais, que vendiam milho para suportar os seus estudos. Depois de pagar a renda de casa, os restantes mil meticais serviam para alimentação e fotocópias de algumas brochuras caso houvesse orientação dos professores.

A vida na Beira não estava sendo fácil, a cidade era grande demais para ela, sentia que não estava no seu mundo e muitas das vezes sentia-se isolada porque a sua condição financeira não se igualava com a dos membros do seu grupo de estudos na escola. Todos eram filhos de pais ricos e tinham tudo na palma das suas mãos, ela era a única que se encontrava numa situação deficitária.

Embora fosse pobre, a sua beleza não passava despercebida, todos os dias era alvo de conquistas, porém ela não aceitava os rapazes porque tinha em mente que a sua missão era somente de estudar e concluir o nível médio, para depois formar-se na área do professorado e regressar para sua terra natal já formada.

Resistiu por várias vezes às tentativas dos rapazes, alguns a ofereciam dinheiro para poderem sair, outros tentavam impressioná-la com suas viaturas, oferecendo boleias para um passeio na praia, entre outros lugares lindos espalhados pela cidade.

Os rapazes sabiam sobre a sua condição financeira, por isso faziam de tudo para aliciá-la com dinheiro. Ela sentia falta de muitas coisas, pois o dinheiro que os seus pais enviavam com muito sacrifício não era suficiente para suportar todas as despesas. Mas carregava consigo os princípios ensinados pelos seus pais e não se deixava desviar. Com o pouco que os seus pais enviavam, ela conseguia levar a vida e seguir em frente.

Na escola era uma das melhores alunas, tinha boas notas e estudava bastante de modo a poder concluir o nível médio sem dificuldades. Certamente foi isso o que aconteceu, transitou a décima primeira com excelentes notas e no ano seguinte foi dispensada aos exames com uma nota de dezasseis valores, tendo terminado com êxito o nível médio.

Já com o certificado na mão, sabendo da sua situação financeira, Maria decidiu concorrer ao professorado no Instituto de Formação de Professores. Realizou os testes de português e matemática do curso regular da décima classe mais um ano de formação e foi admitida com uma média de quinze valores, deixando para trás vários concorrentes de diversos pontos da província.

A sua formação teve a duração de um ano. Durante o processo formativo, Maria foi uma das melhores formandas do instituto, terminou a sua formação sem ter reprovado sequer uma disciplina. Foi graduada em Dezembro de dois mil e dez e hoje desempenha as funções de Directora Adjunta Pedagógica numa das escolas primárias do distrito de Muanza, sua terra natal.

Manuel Chionga
Enviado por Manuel Chionga em 23/07/2020
Reeditado em 26/07/2020
Código do texto: T7014174
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.