SAUDOSA INFÂNCIA

Recordo, com grande saudade, daqueles bons tempos nos campos verdejantes da Fazenda Alegre. Minha infância fora ao ar livre, brincando com os animais da grande fazenda. Viviam ali, cinco famílias, uma pequena colônia. Havia poucas crianças, mas tão pueris e lépidas que preenchiam a vida dos habitantes dali. Quando o sol estava em seu ápice, as outras crianças e eu íamos ao pequeno riacho que margeava as casas. Divertíamos com nossa inocência e gratidão por mais um dia de felicidade genuína. Quando o sol ia-se no horizonte, nossos pais chamavam-nos para a janta. Aos fins de semana, as cinco famílias jantavam juntas, e a algazarra estava armada. Éramos felizes.

Quando o patrão vinha, a festança era mais abastada ainda, muita música e show de viola. As outras crianças e eu sentávamos à beira dos músicos e ouvíamos, fascinados, a apresentação. São tempos saudosos, dos quais ficarão eternamente gravados em minhas lembranças. De todas aquelas crianças, as quais eu me alegrava em inocentes brincadeiras, tenho em especial uma amiga que fiz naquela época: Carmelita.

Carmelita fora minha confidente, porque toda criança tem dessas coisas. Veio a minha mente um episódio perdido dentre todas as reminiscências que guardo, quando me cheguei a ela e falei:

— Carmelita, minha mãe me bateu. — Eu deveria ter uns sete anos.

— Por que ela fez isso com você? — Questionou minha amiga.

— Eu quis assistir TV até tarde, então fiz birra.

— Ora essa, seu tonto. Vai fazer manha, apanha mesmo.

Fiquei embirrado com minha companheira de travessuras por uma semana, ela afirmou que nossa amizade estava acabada. Contudo, como todo bom coração infantil não guarda mágoas, um dia nos encontramos no riacho e Carmelita perguntou-me se eu queria brincar com ela, aceitei de bom grado a oferta, e as outras crianças foram achegando-se e outra vez a diversão estava instaurada.

Da minha morada na Fazenda Alegre tenho somente boas lembranças. Às vezes suspiro de saudades, da vida simples, respirando o ar puro.

Conforme o tempo passou, meus pais decidiram mandar-me para a cidade grande, ser advogado. Fui a contragosto, queria fazê-los felizes. A cada metro que eu me afastava da fazenda, dos meus amigos, de Carmelita, meu coração sangrava. Chorei tanto naquele dia, que parecia que minhas lágrimas estavam acumuladas somente aguardando aquele terrível desfecho.

Ainda tenho gravado na memória a imagem de Carmelita na porteira, acenando tristonha para mim. Minha doce amiga, minha parceira de infância continuaria suas aventuras sem mim. Quando parti, ela estava mais velha e mais madura, mas ainda tinha o espírito de outrora.

Depois que meus pais mudaram-se para a cidade em que eu morava, para poderem ficar mais perto de mim, já que eu morava quase setecentos quilômetros de distância, não tive mais notícias de meus antigos amigos.

Algumas vezes, antes de deitar para dormir, relembro das tardes quentes que passei naquele riacho, nas mais diversas recreações feitas pelos meus companheiros de bagunça e por mim. Porém o que mais me dói é quando surge em minhas memórias a figura de Carmelita me acenando da porteira, a despedida silenciosa, o adeus selado naquele breve aceno, entristece-me até hoje. Foram bons momentos que vivi ali, mas que infelizmente ficarão apenas em meus pensamentos.

Felipe Pereira dos Santos
Enviado por Felipe Pereira dos Santos em 24/07/2020
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