Até o Fim

- Abigail estava me dizendo ontem...

- Mamãe! Abigail de novo?

Uma raiva surda foi subindo pelas entranhas de Ruth. Agora, toda vez que ligava para a mãe, a conversa sempre parecia girar em torno da intrusa. Sim, era no que Abigail havia se transformado: intrusa, não inquilina.

- Ruth, está sendo injusta com Abigail de novo - ralhou a mãe, aborrecida. - Aliás, ao contrário de você, ela me ouve.

Ruth, que estava na rua, dentro de uma cabine telefônica da Bell Canadá, respirou fundo.

- Está bem, mamãe. O que Abigail lhe disse?

- Que, no futuro, eu vou precisar de alguém para ficar comigo, cuidar de mim. E que ela bem poderia ser essa pessoa.

- Mamãe... você ainda não tem 50 anos - arguiu Ruth exasperada. - Não sei de onde surgiu essa conversa, até onde eu saiba a senhora está em perfeito estado de saúde; e por que não poderia ser eu esse alguém? Eu sou sua filha!

- Eu estou bem hoje, verdade - admitiu Imogen. - E talvez não queira um companheiro, alguém para compartilhar a vida. A médio prazo, a tendência é que você se forme e mude para longe, talvez até mesmo fique aí no Canadá. Já a Abigail me assegurou que quer morar e trabalhar aqui mesmo, em Búfalo. Então, ela fica morando comigo. Ela me ajuda e me faz companhia, além de reduzir as despesas da casa.

Parecia um plano sem falhas, avaliou Ruth. Precisava descobrir alguma, rápido.

- E se Abigail arranjar um namorado e quiser casar, mamãe? - Questionou. - Como isso se encaixa nesse futuro perfeito?

- Abigail me disse que não pode ter filhos - replicou Imogen.

Ruth ficou em silêncio por alguns instantes.

- Está bem, mamãe. Quando eu for aí, conversaremos pessoalmente - declarou, antes de terminar a ligação.

* * *

- Quem era, Abigail? - Perguntou Imogen quando a interpelada desligou o celular.

- Foi a Ruth - declarou Abigail, erguendo-se do sofá da sala e afastando a cortina para ver a rua lá fora. Estava um dia bonito de verão, céu azul, praticamente sem nuvens. - Ela disse que não poderia vir nos visitar este mês, está enrolada com o trabalho lá em Winnipeg.

- No mês passado, ela disse a mesma coisa - comentou Imogen, sem amargura.

- Trabalho, filhos, marido... a Ruth tem mesmo muita coisa para se preocupar - ponderou Abigail. - Mas eu estou aqui ao seu lado, como sempre!

- Como disse que estaria - respondeu Imogen, agradecida.

- Eu sempre vou estar contigo - assentiu Abigail, curvando-se sobre Imogen e ajeitando-lhe o colarinho da blusa. - Vamos sair? Dar uma volta? O dia está lindo!

- Ando me sentindo tão desanimada... - suspirou Imogen.

- Vai melhorar com o sol! - Afirmou, enquanto abria a porta de entrada.

Olhou-se rapidamente no espelho ao lado da ombreira da porta; no reflexo, uma jovem de traços decididos devolveu-lhe o olhar.

- Estou pronta! - Declarou.

- Se você está, eu também estou - disse Imogen.

Abigail posicionou-se atrás da cadeira de rodas de Imogen e começou a empurrá-la em direção à rua. Desceu-a cuidadosamente pela rampa em frente à entrada, e depois, fechou a porta atrás de si.

- [26-07-2020]