Domingo

- Achei que você nem viesse. Sua mãe não disse nada... E olha que ela é quem sempre faz questão qu-

- Eu não ia vir.

O grito de uma criança brincando em algum outro cômodo da comum casa de subúrbio carioca quebrou os segundos de silêncio que começavam a se arrastar.

- Só vim por causa dele - Helena disse, maneando a cabeça em direção à sala de estar. - Mal ou bem, ele gosta do senhor e, depois de amanhã, quando nos mudarmos, não terei como deixá-lo visitar vocês mais do que uma ou duas vezes por ano.

Mais silêncio. Seu Antônio, totalmente desacostumado ao silêncio da presença de Helena, alisou seu bigode grisalho e se serviu de mais um copo de cerveja. Pelo tempo que havia passado desde a hora que pedira para dona Isaura buscar a garrafa no bar do Denilson, a bebida já estava visivelmente longe do modo como costuma ser desejada por muitos.

Depois de levar lentamente o copo à boca e devolvê-lo com um cuidado que não escondia sua real intensão de ganhar tempo e organizar as palavras para formar frases em sua cabeça, seu Antônio apoiou os cotovelos no tampão de vidro da mesa e repousou o queixo sobre uma das mãos, usando a outra livre para correr o dedo por entre os poucos fios de cabelo que ainda lhe restava no topo da cabeça. Limpando a garganta, ele disse:

- E aquele lá, anda bem?

- O senhor se refere ao André?

- Sim - Mais uma vez, não escondendo sua real intensão de melhor organizar as palavras em sua mente, seu Antônio levou o copo de cerva quente à boca. - Esse.

- Ele vai bem, sim, senhor.

Dona Isaura, com parte de seu cabelo grisalho fujindo do rabo de cavalo que fizera antes da filha e do neto chegarem, carregou o menino no colo para dentro da pequena sala de jantar acoplada à cozinha. O pequeno Isaías, ao ver o avô, acenou para ele com uma figura de ação que ganhara de presente assim que entrara na casa pouco antes do almoço. O boneco, já totalmente babado, ajudava o moleque a aliviar a coceira que o nascimento de algum dente na parte de trás de sua boca provocava, soltando frases heróicas todas as vezes que o grande botão em suas costas se chocava contra um dente ou a gengiva do menino.

- Filha, o André já chegou. Tá parado com o carro lá na frente.

- Ah... - Olhando para o pai de relance, Helena apoiou a carteira e o celular sobre a mesa novamente. - Mãe, avisa a ele que em menos de dez minutos nós vamos.

- Tá bem - Dona Isaura disse, olhando de rabo de olho para o marido e voltando com o menino, que ainda se concentrava em mordiscar o boneco, para a sala.

- Bom, foi bom falar com o senhor.

Enquanto Helena se levantava e reposicionava a cadeira que ocupara, ela notou que o pai, de um modo másculo e desajeitado, tentava disfarçar as lágrimas que começavam a escorrer em seu rosto, cobrindo a testa com uma das mãos e insistindo em se servir o resto da cerveja com a outra.

- Posso te dar um beijo...p...pai?

Depois de Helena aparecer na calçada com o pequeno Isaías no colo, André, que por conta de desavenças com o sogro nem havia saído do carro, toma coragem para, rapidamente, dar um beijo na sogra e correr de volta para o veículo.

Menos de um minuto depois, e o carro já se afastava do meio-fio. Após alguns poucos instantes parada na calçada e acenando para um carro que já mal podia ver, dona Isaura entrou e, logo depois de fechar o pequeno portão e se virar em direção à porta, viu que seu marido espiava a tudo por uma brecha da cortina da sala. Assim que ela entrou, e antes que pudesse dizer qualquer coisa, o homem, que estava praticamente ajoelhado no sofá que ficava de costas para a janela, se endireitou e, ainda segurando a garrafa de cerveja, já totalmente quente e vazia, disse:

- Acho que você esteve certa durante todos esses anos: ele nunca foi o filho, o machão que eu queria ter, mas ele, desde sempre, foi e ainda é o nosso menino.

LucasRA
Enviado por LucasRA em 12/08/2020
Código do texto: T7033419
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