Verdade!

Domingo de tarde, as mulheres na copa tomando café e nós, homens, na varanda com petisquinhos e cervejinha gelada.

Já é quase um ritual, ao menos uma vez por mês nos reunimos. Elas para exibirem suas novas aquisições feitas nas boutiques e shoppings, falam sobre moda, novelas, dietas e praguejam contra as inúmeras inimigas recalcadas... E ainda aproveitam para falar sobre nós também.

- Meu marido é um zero à esquerda...

- E o meu, que ainda pensa em...

- Ai querida, o meu já não faz há tempos...

E aproveitam para dizerem que nós somos maridos insensíveis, que não somos companheiros, que não demonstramos carinho ou respeito. Enquanto observamos elas pela vidraça que divide a varanda da copa, o Cadú lança na roda:

- Aonde foram parar aquelas garotas que conhecemos? Ai que saudade!

E ele sempre começa a relembrar os tempos passados e a vida maravilhosa que tínhamos na infância.

Para elas nossos assuntos são carros, futebol, as “novinhas” ... e então vamos memorando momentos felizes, e eu começo com o papo direto do túnel do tempo.

Me lembro quando tinha uns 10 anos e fui à casa de um amigo, chamei por uns 3 minutos no portão e ninguém atendeu. Achei estranho, pois geralmente, antes mesmo de terminar de chamar “PERÉÉÉÉÉÉÉ......BA” ele já tinha pulado por cima do portão para a rua. Notei que o portão estava aberto e resolvi entrar para ver o que estava acontecendo lá dentro.

Passei pelo corredor lateral da casa olhando pelas janelas da sala e cozinha. Lá do fundo do quintal vinha um barulho estranho, parecia que alguém estava chorando magoado, gemendo e fui conferir. Peguei o pai do Pereba dando um “trato” na mulher do Seu Noé, vizinho do lado direito. Poxa, que sacanagem, fiquei ali no corredor encolhido assistindo tudo. E pensei por um instante, meu pai não faz isso com minhas vizinhas, talvez seja errado.

Depois, fui contar para a molecada da rua o que vi detalhadamente, pensa numa molecada que nem piscava.

Eles pensavam que era mentira e eu dizendo:

- VERDADE!

No meio do relato o Seu Noé chega todo cordial e amigável como sempre e vai perguntando sobre o que estávamos falando, nem pensei e disse a VERDADE.

- Eu vi o pai do Pereba com uma vadia!!!

Congelei, todos me olharam com ar de condenação, eu sabia que tinha falado merda, ou melhor, a verdade. Nenhum dos meninos jamais responderia isso, todos eram bem espertos e mudariam de assunto, dariam um jeito de mentir para evitar desconfiança e uma reação agressiva contra a pobre da dona e seu amado amante.

Putz, como eu era sem malícia, ali na frente do camarada corneado me senti um dedo duro, bedel, delator e por isso mais tarde me excluíram da turma.

Seu Noé me chamou de canto e me disse:

- Sabe garoto, tem gente que não tem respeito nem por si e nem pelos outros. Quando crescer jamais tome atitude semelhante a esta do pai de seu amiguinho. Jamais engane ou minta para alguém.

Fiquei sem chão... Ele mal sabia que a vadia era sua esposa.

Meu pai também ficou sabendo do caso, e ele disse:

- Tá certo o pai do Pereba, ela é uma delícia...

Fiquei puto da vida com o comentário do meu pai. Até ele seria capaz de enganar.

O fato é que me senti mal com a situação e cresci com a ideia de se manter fiel no casamento e nunca deixar meus filhos passarem pelo que o Peréba passou. Seu pai fugiu com a vizinha depois de dizer para esposa que estava cansado de domingos enfadonhos com uma mula que lhe cobrava tudo e reclamava de sua presença em casa o tempo todo.

Hoje mais uma vez me sinto diferente – fidelidade à mulher que nem lembra que existo ou uma nova vida com a vizinha de alguém? – bom, melhor pegar outra cerveja!

Oliver Barra
Enviado por Oliver Barra em 21/09/2020
Reeditado em 21/09/2020
Código do texto: T7068608
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