Obrigações domésticas

Tivemos-las todos, ou quase todos na infância daqueles anos cinquenta, sessenta e vai ver que até mais além...Enquanto manas La Toya e Labelle se ocupavam da ajuda na arrumação da casa e das roupas, tocou-me a lavação de vasilhas.

Para nos encorajar nos empreendimentos da domesticidade, papai nos designava responsáveis pelos respectivos departamentos. O meu era DLV, por exemplo. E de que fui titular por uns seis anos, passando o bastão ao mano Beu que pode cumprir uma pena mais curta em troca do aprendizado de algum ofício, em que aliás, começou literalmente levando tinta - seca, e pulverizada das raspagens - no caminho para ser pintor. Sua sorte foi encontrar num retorno à casa a figura quase enigmática e judiciosa do José Chancha que, do nada, passou-lhe um curto sermão que, de imediato, guindou-o para o ramo da relojoaria...

Sob a minha gestão, o DLV ganhou água encanada, mas não se livrou dos cáusticos sabões de barra, Santa Luzia, o amarelo pintadinho de marrom, e o Minerva, mais sisudo a rosado, que, além da escassa espuma, castigavam a pele.

Mais de meio século decorrido dessas muitas vezes amaldiçoadas, porém educativas experiências, defronto-me com a pia atulhada de vasilhame de toda ordem, agora com a certeza da água aquecida, sabões líquidos espumejantes e até o conforto das luvas e dum avental, um apelo quase irresistível a reviver o passado já mais-que-perfeito, a que se adiciona o doce estímulo de mana Cida, médica e expert em assepsias diversas:

- Ô mano, que bom vê-lo aqui...vai se animar a matar as saudades?

Meio ou muito meio sem jeito, respondo:

- Tentadora oportunidade, não? Mas eu desenvolvi uma técnica imbatível, Cidinha:

- Lavo tudo com água e mão, dispensando o sabão...

E dispensado sou então...

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 24/10/2020
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