DONA MARIA

Por Lúcio Alves de Barros

Dona Maria era uma velhinha risonha e alegre de 80 anos. Lúcida, empreendedora e muito amigável, todos gostavam dela no bairro. Certa vez, sentada em seu pequeno lar de quatro cômodos, foi sacudida por uma carta proveniente dos órgãos públicos. O documento lacrado e devidamente legalizado foi aberto com desconfiança e a surpreendeu. Dona Maria encontrou uma dívida de enormes proporções. Mas, como? Ela havia sanado todas as despesas do IPTU. Rapidamente, a amigável senhora recolheu a documentação, anexando a ela os papéis que provavam sua inocência e correu para a Prefeitura da cidade no intuito de solucionar a questão.

Na porta da Prefeitura, na qual poucas pessoas conhecia, Dona Maria foi bem recebida e teve que se assentar nas cadeiras que estavam disponíveis para espera. Depois de meia hora aguardando, a “velhinha” foi atendida, e o Senhor João, um educado funcionário público, disse que ela deveria novamente esperar, pois havia repassado para o Antônio toda a documentação. Dona Maria sentou, já era mais de dez horas da manhã.

Antônio, antes de entregar os documentos para o Inácio, um jovem e tímido estagiário, preferiu tomar um café. Inácio, ao receber, não deixou primeiro de dar umas clicadas na internet e ligar para a namorada. Depois entregou todos os documentos para a Cláudia que se não se deu o trabalho de lê-los e os repassou para Rosângela que disse que nada tinha a ver com aquele tipo de serviço e, rapidamente, pediu a Cláudia que o entregasse para o Fernando. Este fez questão, aos berros, de afirmar que não tinha nada a ver com aquilo e que tomava conta apenas das “questões gerais da Prefeitura”. Cláudia, já resignada, levou o documento para o senhor Alfredo que o pegou e disse que “resolveria a parada”, mas antes disso foi chamado ao telefone. Depois de duas horas e meia, o senhor Alfredo, um homem educado e gentil, lembrou da documentação e entregou-a para o Senhor João, que repassou o mesmo para o setor financeiro, cuja chefia era de responsabilidade de Dona Anastácia. Ao ler o documento, esta senhora percebeu um grande erro e aproveitou a ocasião para chamar uma reunião de emergência.

Todos foram para a sala, ninguém sabia o que estava acontecendo. Aproveitando da situação, a chefe do setor financeiro aproveitou e decidiu por “lavar a roupa suja”. Jogou “na cara” de todos, principalmente daqueles que não gostava, a incompetência e a irresponsabilidade do ato e informou que aquele não era o primeiro caso. Todos ficaram escutando e, envergonhados, nem perceberam que a reunião entrara no horário de almoço e foi lá para as três horas da tarde que o falatório terminou. Apavorados, os funcionários despacharam a documentação, e tinha que ser rápido, pois o expediente já estava terminando e ninguém gostava de ficar depois do expediente. Em primeiro, o documento passou pelas mãos de Fernando, que o passou para a Cláudia, que logo o entregou para o senhor Antônio.

O senhor Antônio havia voltado do almoço ao meio dia, conversou muito, brincou com o pessoal e tomou muito café, somente lembrou da velhinha depois que colocou os olhos naquela documentação. Calmamente foi entregá-la.

- Dona Maria, ô Dona Maria.

Ao encostar-se às costas da pequenina senhora, o Senhor Antônio percebeu uma leve movimentação...

Dona Maria estava morta.