Conto das terças-feiras – O elevador desmancha-prazeres

Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE, 17 de novembro de 2020

Segunda-feira, 31 de dezembro de 2007. Alguém em um quarto que não era seu, pois estava ali a convite, revelava inquietação. Seu relógio apontava 23 horas. Ela estava sozinha, suas amigas haviam viajado para passar a entrada de ano novo com os pais, em Belém. Irecilda estava aflita, chegara à noite do dia anterior para passar o ano novo exatamente na Praia de Copacabana, Rio de Janeiro, cidade que não conhecia. As amigas viajaram logo pela manhã e deixaram a cargo da belenense os cuidados do apartamento.

A expectativa da moça era enorme. Desde os 15 anos alimentava o desejo de passar esse dia na praia mais famosa do Brasil. Queria ver tudo e como recordação, pretendia registrar os melhores momentos pela sua máquina fotográfica, que comprara especialmente para a ocasião. A prova que ela estivera presente no maior espetáculo da terra, a queima de fogos de artifício na orla mais badalada do mundo.

Até àquela hora, tudo estava saindo como vinha planejando há seis anos. Algumas coisas estavam acontecendo pela primeira vez: viajar sem a companhia dos pais, voar de avião, conhecer o Rio de Janeiro, estar em um apartamento com frente para a praia de Copacabana, e, logo mais, ver o que seria a maior queima de fogos da história desse evento, que teria a duração de 25 minutos, com início marcado para o primeiro minuto do dia 1º de janeiro de 2008, dia que completaria 21 anos. Naquele dia estaria animando o show que antecede a queima, os cantores MC Leozinho, cantor e compositor carioca de funk, gênero que ela não apreciava, e Diogo Nogueira, também carioca e sambista, de quem ela era fã.

Os minutos passavam devagar, a impaciência aumentava e Irecilda não descia porque não queria ficar lá embaixo por muito tempo. Poucos minutos antes da festa começar, ela desceria, se juntaria à multidão e seja o que Deus quiser. Só sabia que tentaria aproveitar o máximo aquele momento, que ficaria eternizado em seu consciente. Nada seria perdido, tudo devidamente registrado, ela mostraria para todas as amigas de Belém a sua intrepidez, o seu arrojo, estar no meio da multidão que participara do réveillon de Copacabana, no ano de 2008, e sozinha.

Finalmente, a hora tão desejada apareceu em seu relógio de pulso. Tirou-o do braço e colocou-o na mezinha, ao lado da cama para ela reservada, não seria seguro levá-lo consigo. Caminhou serenamente para a porta do apartamento, apanhou a chave, colocada sobre a mesa, abriu a porta e saiu em direção ao elevador. Poucos segundo depois a porta se abriu, ela desceu e foi em direção à Avenida Atlântica, esperou que o sinal abrisse para ela, atravessou quase correndo, venceu o calçadão e chegou à areia. Tirou os sapatos e os segurou na mão. Só aí que deu pela falta da máquina fotográfica, faltavam cinco minutos para o início da queimada dos fogos. Já se podia ouvir o Hino Nacional, cantado por alguém que não procurou identificar. Todo o interesse agora era buscar sua preciosa companheira para aquele momento. Fez correndo o trajeto até o edifício onde estava hospedada, entrou no elevador e foi! Chegando ao apartamento, 11º andar, apanhou a bendita Samsung S860, cor prata e rumou para o elevador.

Entrou, as portas se fecharam e a moça, esbaforida, apertou o térreo. A geringonça – era um velho elevador – desceu alguns andares e parou. Depois de alguns segundos, percebendo que ele não saia do lugar começou a apertar freneticamente, todos os botões da teimosa máquina, que não descia por nada. O desespero tomou conta da garota, aos gritos pedia socorro, o barulho dos fogos abafava o seu clamor. Como o edifício não contava com porteiro noturno, ela não sabia, debalde era o seu esforço para chamá-lo. Todos os moradores estavam viajando, os que detestavam essa festa, e outros estavam prestigiando-a.

Às quatro horas da madrugada, alguém chegou para destravar aquela máquina deteriorada. Presa no malfadado e infernal elevador, Irecilda cansada de gritar e bater em suas paredes chorara muito e dormira ali mesmo. Ao ser acordada, levantou-se meio zonza, perguntando se a festa já começara. Ninguém respondeu, o rapaz da manutenção, gentilmente ajudou-a a levantar-se e a encaminhou a um sofá no salão da entrada do edifício, trouxe-lhe água e lhe falou das horas naquele exato momento. Ela nada disse, pediu apenas para ir ao apartamento em companhia de alguém, no que foi atendida. No dia seguinte retornou para Belém, decepcionada e sem comprovação que estivera na festa tão desejada.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 17/11/2020
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