O QUE NÃO SE FAZ POR AMOR...

Verão, praia, sol de rachar. Eu na casa da minha tia, com minhas primas. Todas nós na faixa dos vinte anos. No auge da nossa beleza, pelo menos era assim que a gente pensava. Bendita a minha chegada aos trinta. Foi quando eu descobri que estava gorda. Gorda, não. Fora de forma. Mas para mim, ao me deparar com a verdade na frente do espelho – e a verdade eram dobrinhas na barriga, celulite na bunda e pernas mais grossas – foi simplesmente o fim. E ainda estávamos no primeiro dia da temporada.

Pior não era isso. O pior era eu ser a única rechonchuda. As desgraçadas das minhas primas eram magras. Magras! Até minha tia Eugênia, com seus sessenta anos e lá vai, estava mais enxuta que eu. Definitivamente era o fim. E para a situação ficar mais calamitosa, logo depois desta minha descoberta trágica, houve um rebuliço lá na casa de praia. Meu primo Edu estava para chegar. Não! Eu sempre tinha sido apaixonada por ele. E o Edu, claro, nunca me deu bola. Ele estava há uns dois anos em Londres e tinha decidido que voltaria para o Brasil. Do aeroporto, ele viria direto para a praia. E me encontraria gorda! No entanto, ainda havia uma chance. Eu tinha tempo para emagrecer. O Edu só chegaria em 10 dias. Até lá, dava para eu emagrecer uns cinco quilos e ficar legal de novo. Comecei imediatamente uma dieta. Dieta de choque.

No primeiro dia não foi tão ruim. Ignorei a Coca Cola e o pacote de bolachinha recheada que passava de mão em mão. Apesar de eu estar salivando, resisti a todas àquelas tentações. Ninguém parecia reparar na minha gordura, foi o que eu deduzi. Mas eu estava decidida. Quando as meninas foram tomar banho de sol na beira da praia, eu fui de tênis. Ah, ninguém iria me segurar! Correr gasta trilhões de calorias. E lá fui eu.

E eu corri. Corri tanto, que quando voltei desabei na areia, pensando estar sofrendo um colapso cardíaco. Pelo menos me senti mais magra. Imaginei minhas gordurinhas se dissolvendo no meu corpo, sendo eliminadas pelo meu suor. Voltei para casa com as pernas bambas, mas feliz. Jantei uma salada de frutas enquanto a parentada se empanturrava com um churrasco cheio de gordura. Salivei diversas vezes. Fui dormir e sonhei que eu estava sendo assada na churrasqueira. Acordei berrando e assustei a casa inteira.

No segundo dia, eu me acordei meio estranha, mas determinada. Meu desjejum foi outra saladinha de frutas. Decidi ir correr na beira da praia de novo e minha prima, a mais sarada de todas, resolveu me acompanhar. Foi a minha sorte. Lá pelas tantas estonteei. Tropecei e caí em cima de uma mulher que tomava banho de sol. Minha prima me arrastou até em casa, enquanto a praia girava e girava e girava ao meu redor. Depois deste evento, todos caíram em si que eu estava fazendo dieta e enlouquecendo. Ligaram para minha mãe e levei um sermão pelo telefone. Mas o Edu chegaria em nove dias. Eu não podia estar disforme. Almocei uma salada de alface com tomate (zero caloria, praticamente) e fui dormir. Sonhei que estava me afogando em um caldeirão de brigadeiro. Me acordei quase sufocada por aquele aroma delicioso. Abri os olhos e a infeliz da minha prima de sete anos estava comendo brigadeiro direto da panela, bem do meu lado, o chocolate escorrendo pelo lado da boca. Cheguei a me babar, antes de expulsar a ordinária do quarto. Apesar de tudo, as coisas estavam dando certo. A minha circunferência abdominal já tinha diminuído. Exultei. Como eu sou feliz, pensei cheia de ânimo.

De noite, as gurias inventaram de ir a uma sorveteria. Como eu já estava diminuindo minha taxa de gordura corporal, pensei que não haveria mal nenhum se eu comesse meia bola de algum sorvete light. Porém, quando eu vi toda aquela variedade de sabores, me enlouqueci. Não me perguntem quantas bolas de sorvete eu devorei, a verdade é que passei a noite inteira sentada no vaso sanitário e quando eu não estava sentada no vaso sanitário, obviamente eu estava vomitando. Nunca passei tão mal na minha vida e no dia seguinte, quando fez um sol de rachar, eu fiquei de cama, amaldiçoando minhas células adiposas. A vantagem é que perdi alguns quilos de água e quando consegui me levantar, me acharam mais murcha. Não era magra, era murcha.

Dali para frente, com medo de passar mais uma noite do cão, restringi minha alimentação para coisas leves e lights. Não foi tão difícil. Complicado era ver os outros comendo do bom e do melhor e eu passando à sopa. Não tive mais coragem de fazer exercício nenhum – ainda estava meio fraquinha. O ponteiro da balança desceu vertiginosamente. Misteriosamente, alguém chamou a minha mãe porque estavam preocupados comigo. Ela apareceu de surpresa, disse que eu entre e um cadáver não havia muita diferença e quis me levar para casa. Fiz um escândalo sem precedentes. O Edu já estava para chegar. Faltavam poucos dias. Eu me sentia mais magra e mais feliz. Estar fraca era só uma questão de adaptação a minha nova alimentação. Minha mãe foi embora e meus tios juraram que telefonariam para convidá-la para meu enterro. A glória foi quando me olhei no espelho pela milésima vez e deduzi que eu devia estar uns cinco quilos mais magra. Bendita a noite em que eu passei mal. Toma!

Um dia antes do que seria o “Grande Dia da Chegada do Edu”, o próprio ligou para o meu tio, dizendo que antecipara a sua volta e já estava na estrada, vindo para a praia. Foi uma euforia total minha e das minhas primas. O lindão estava chegando. E eu, mais magra, acreditava que poderia ter uma chancezinha com ele. Confiante e segura, coloquei a parte de cima do meu biquíni para mostrar minha barriga – que segundo a tia Eugênia agora estava negativa – e um short que quase mostrava a bunda – ou o que tinha restado dela. Era tudo comigo.

Aí o Edu chegou… cruzes, que decepção. Não o reconheci quando ele saltou do carro. Só me dei conta que era ele por causa dos dentes. O Edu estava igual ao Fofão, um personagem de um antigo programa infantil que tinha umas bochechas enormes. Ninguém deu bola para a sua enorme forma física, não era isto que importava. Mas para mim era tudo, absolutamente tudo. Nem tive coragem de chegar perto. Quando ele me viu, no entanto, veio me cumprimentar. Aí ele disse, na frente de todo mundo:

- Puxa, não lhe reconheci, prima. Você está igual a Mortícia. Lembra? Família Adams.

O cretino ainda cantarolou a musiquinha do filme, perfeitamente. Eu fiquei muda, de braços cruzados, encarando-o. Meu veraneio tinha terminado ali. Eu estava tão decepcionada, tão frustrada, que não tinha mais como ficar mais um dia naquela casa, aturando o Edu cantando o tema da família Adams para mim. Peguei o celular do meu tio e liguei para casa.

- Mãe? Ainda está em pé aquele convite para irmos para à serra?

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 23/12/2007
Reeditado em 25/12/2007
Código do texto: T789283