Tradição de Fim de Ano

Tradição de Fim de Ano

Um dia antes do natal no ano retrasado precisei ir ao mercado. Estava uma bagunça, um turbilhão de pessoas desesperadas para comprar na última hora o que faltava, incluindo eu nessa balburdia. Para pagar as compras: -Filas. Intermináveis e torturantes filas. Entrei em uma delas e lá fiquei. No caixa ao lado um senhor reclamava sobre o preço errado de um produto. Em outra fila qualquer uma senhora gritava “pelo amor de Deus mais que demora!”

Onde eu estava, não havia ninguém próximo a mim com a intenção de falar sobre um assunto qualquer, comentar sobre o clima, sobre a situação de algum time de futebol, política, nada. Somente suspiros e dedos indicadores deslizando em telas de celulares. Enfim paguei minhas compras após quase uma hora de espera.

Chegou a tão esperada ceia de natal. Agradecemos a Deus, Comemos, bebemos, as crianças receberam presentes. Meu filho recebeu alguns soldadinhos de plástico que chamaram minha atenção. Minha filha uma boneca que imitava um bebê realista. Era tão realista que dava uma sensação estranha, como se fosse um belo bebezinho dormindo. E foi caro, para que dar um presente tão caro para uma menina de quatro anos? Quando descobri o valor daquela boneca fiquei boquiaberto. Pura tolice e exagero de uma madrinha que queria impressionar os convidados! Faz parte da natureza humana.

Um dia antes do ano novo percebi que sobrou “pra mim” ir ao mercado novamente. O desanimo tomou conta de minha alma. Olhei jogada em um canto do sofá aquela boneca que parecia estar dormindo e pensei “é tão bom ser criança, sonhar profundamente ao dormir e acordar como se estivesse em um sonho com eternas brincadeiras”. Percebi também como parecia real, me lembrava muito minha filha ao nascer.

É na necessidade que surge a oportunidade, diria o sábio. Olhei a boneca e, como um estalo, inconscientemente veio uma ideia interessante:

-Será que consigo usar o caixa preferencial levando essa boneca?

Para aqueles que não estão acostumados com ele, o caixa preferencial é um caixa que existe nos grandes mercados onde pessoas idosas, gestantes, deficientes ou pessoas com crianças de colo podem utilizar tendo a preferência do atendimento. E geralmente são mais rápidos do que os outros, por haver uma fila menor. As pessoas geralmente o evitam pois, se surgir alguém com preferência, mesmo que você seja o próximo da fila, essa pessoa preferencial será atendida antes.

Mas eu não poderia chegar com um suposto bebê jogado no banco do carona e sair com ele no colo por aí. Jamais! Quem me olhasse em tal cena ficaria horrorizado.

Então fui no quarto onde guardamos os entulhos da casa. Vi vários itens sem utilidade que ficam ali até serem necessários, como bolas, bomba de encher pneu de bicicleta, a bicicleta, uma máquina de escrever entre outros cacarecos. Ao procurar um pouco encontrei: - A antiga cadeirinha de carro para recém nascidos da minha filha. Estava meio empoeirada, nada que um pano úmido não resolvesse. Fui até o quarto da minha pequena menina e peguei uma manta rosada fininha. Juntei tudo e ficou perfeito! Qualquer um que olhasse essa obra de arte diria que é um bebê dormindo tranquilamente.

Entrei no carro, prendi a cadeirinha no banco de trás como se eu realmente transportasse um bebê. Dirigi. Cheguei. Estacionei. Abri o carro. Retirei a bebe e a manta e coloquei ela com cuidado em um carrinho de compras que têm nele mesmo uma cadeirinha para bebês. A cobri bem com a manta para ninguém perceber qualquer falha.

Escolhi todas as compras, coloquei no carrinho e era a hora da verdade. Fui até o caixa preferencial. Tudo ao meu redor estava uma algazarra, mas naquela fila preferencial reinava a paz. Havia apenas um casal de idosos na minha frente passando lentamente suas compras. Eu era o próximo. A senhorinha olhou para meu bebê e comentou:

-Que lindinha dormindo, qual o nome dela?

Fiquei meio surpreso, mas não abalado, claro que perguntariam seu nome, falei um nome de menina qualquer e a senhora falou:

-Muito linda, é a cara do pai.

Meu instinto zombador queria responder “só se eu fosse fabricado na china”, mas fui educado com a senhora gentil que se despediu de nós dois. A título de curiosidade, pesquisei onde são fabricadas essas bonecas e descobri que são feitas por artesãs talentosas daqui de nosso Brasil mesmo.

Fui até o carro no estacionamento do mercado, guardei primeiro a boneca em sua devida cadeirinha e depois as compras, afinal seria assim que um pai faria: - A segurança do bebê em primeiro lugar! Dirigi. Cheguei em casa.

Quando eu estava estacionando na garagem minha esposa viu a cena e juntou os pontos:

-Não acredito que você fez isso! – Disse ela chocadíssima...

Eu ri. Desde então é minha tradição anual ir ao mercado em datas comemorativas com minha pequena trapaceira. Iria dar o nome de Eva, mas não soaria bem nesse belo país tropical. Agora em meu porta malas, com seu carrinho e mantinha rosa, está sempre preparada para as compras minha pequena Dalila.