JOÃO DOS PRAZERES

- João dos Prazeres

Vivia ele com dores na danada consciência, o peito fisgando a morte... De leve surrupiou desespero dos cofres alheios. O garoto estava assim com o sufoco engatilhado na direção da testa, e o pavor na direção do peito. Alguns transeuntes fingiram não se importar, outros aplaudiam a seção de tortura.

Era noite ainda, o pesadelo já varava madrugadas, nos cantos de teu sonho os inimigos sorriam, como se no meio do sono um menestrel interpretasse horripilantes cenas da vida negra. Sua pele transpirava a vergonha no rosto e sua cama encharcada de seu suor dava a entender que o afogava na tenebrosa baixa-estima.

João dos Prazeres, que de prazeres não vivia nada, temia pelos livros, martelava a própria cabeça, as feridas traziam coágulos de esquecimentos, uma satisfação momentânea. Ele amante das cadeias internas, o tempo propício pra isso, tinham provas cientificas de que no seu sangue corria dejeções da casa-grande. Assim o empurravam cada vez mais para o fundo da senzala deixando ele com duas alternativas: Ou foge daquilo que é, ou não manifeste tambores no peito. E os olhos de João jazem sem vida, mas tinha alegria no túmulo, teu corpo, tuas passadas eram sem jeito sem ginga, um samba sem graça como aqueles atuais que alegram as festas ricas. O garoto sobrevivia com as mazelas do sistema, um corpo frágil carcaça oca, depois que adotara a tática de toda semana raspar a carapinha, o rosto perdera por completo o semblante de quilombola.

Era noite ainda, estava ele naquele sonho esquisito, pisando falso no asfalto do mundo bem no fundo da alma, ele, escondido dele. Dos prazeres sofria com a fuga de si mesmo, estridentes vozes o acompanhavam em suas andanças, amargava e aceitava ao mesmo tempo a imposição imposta. Revirou na cama procurando espaço pra respirar, o móvel mais parecia uma cadeia, cada movimento lhe parecia o fim.

João dos Prazeres, agora pego no susto do inimigo, repousara em teu peito sete palmos de angustia, pensou no pai Seu Bento compositor e poeta do Grêmio Recreativo 20 de Novembro, lembrou-se da mãe ex-militante do movimento M.R.C.H. V (mulheres reaja contra homens violentos) o rosto tomado na vergonha. Feriu Jamila com palavras alvas e cortantes.

Tua infância foi dura, brincava de renascer entre um tiro e outro de solidão que os dos livros didáticos nos presenteiam diariamente, carregava no gesto uma revolta calada, um ódio sereno, que com o tempo de tanto pacifismo só sabia atacar a si e os que se pareciam consigo. Nascera em meio a tormentos cuícas rangiam fome naquela segunda de carnaval, mas os pais alimentaram a consciência do garoto que preferira jejum nas noites aconchegantes envolta da fogueira onde Dona Celine sua mãe contava historia de mulheres guerreiras das nações africanas.

O garoto crescera assim entre nobres sambas e desesperos fecundos com afinco de arrancar da pele as raízes internas, os opressores brindavam o enterro de sua consciência morta, sua cova sendo aberta no seu peito, quase de toda arada, mas tinha galhos ébanicos que ligava alguma coisa forte algum tipo ancestral...

Era noite ainda, João Dos Prazeres de olhos fechados trazia no semblante amarguras, de quem navega a alma em terras estranhas, caminhava descontente nas alvuras trevas. Quando não o barco de seus sonhos embarcou teu peito para sonhos límpidos, pisou macio em um território que não era ilusório, mais teu coração alado... Desenterrou do fundo da alma quilombos dormentes, que espantou de teus olhos o pesadelo de sobreviver nessa cruel sociedade. Era noite ainda, Dos Prazeres viu crianças de belas tranças e rostos faceiros, brincando felizes em um quintal embaixo de um cajueiro. Viu colhendo frutos de uma árvore os dentes fortes em um sorriso lascivo um rosto calmo negro que evidenciava paz, uma satisfação há tempos arrancada de teu rosto. Aquele sentimento que percorria nas tuas veias era novo, semente ainda, tinhas os olhos fechado como se estrelas invadissem o semblante. As madeixas da garota voavam livres e a pele negra reluzia, ela carregava um sorriso travesso, envolta uma carnosidade como céu no finzinho da tarde indo de encontro com a boca da noite, estava fora de sua diretriz beijos noturnos, o peito de Prazeres cadenciava um samba de resistência... Era noite ainda, João devolveu o desespero que não era seu. A roleta russa que apontara pra si se desfez, trocou por leves ondas de sorriso, sentiu batuques no fundo do coração e chutou pra fora do peito trezes de maio, e outras manifestações de suicídio, expulsou o fantasma do medo que o habitava o fantasma branco.

Findava se a noite João acordou meio tonto, sem saber se foi sonho ou realidade, mais no peito ainda batucava tamborins, um arco-íris percorria lhe a alma. Sorriu negro pela primeira vez, invadindo as manhãs traiçoeiras pegando o inimigo de surpresa. Sabia ele que tinha muito que se conhecer e saber sobre sua origem sobre si mesmo, mais fugira do destino traiçoeiro que o empreitaram de pai-joão, João ninguém pra trazer no jeito negro e a cadencia João dos Prazeres.

akins kinte
Enviado por akins kinte em 21/01/2008
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